Luiz Henrique Mandetta deixa o Ministério da Saúde simplesmente por ter feito o que era certo, ou pelo menos o que estava ao seu alcance. No início da pandemia, quando o médico à frente da pasta começou a despontar por, principalmente, saber se comunicar com clareza, prezar os dados científicos e demonstrar uma sensatez algumas vezes deixada de lado por este governo, houve quem fizesse piada com essa postura distinta, dizendo que ele acabaria demitido por destoar tanto de ministros mais verborrágicos e menos competentes. A profecia da anedota acabou se confirmando.
Mandetta, como discípulo de Hipócrates, não dissociou sua profissão do seu papel de gestor. Esse foi, de longe, o seu maior mérito. No discurso em que anunciou o afastamento, o presidente Jair Bolsonaro, em meio a justificativas pouco compreensíveis, pontuou que o agora ex-ministro deu prioridade aos aspectos médicos da pandemia. Difícil é entender como poderia ter sido diferente, mas não deixa de ser uma afirmação com certa leviandade. Mandetta, por diversas vezes, demonstrou ter consciência das cadeias afetadas pelas decisões ministeriais, vindo daí a defesa veemente do isolamento horizontal. Priorizou essa recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) por saber dos impactos sobre o sistema de saúde que o contágio sem barreiras provocaria. Cuidou do seu feudo, ciente das consequências sociais e econômicas de suas determinações. Esses aspectos também relevantes da crise, bem se sabe, são responsabilidades de outros ministros.
Mas também foi hesitante em momentos que demandaram mais energia, principalmente pela falta de alinhamento entre o ministério e o Planalto. A testagem universal é um desses exemplos. Por mais que se saiba a dificuldade de implementação dessa medida, o ex-chefe da Saúde retardou demais uma decisão nesse sentido, quando a experiência de outros países afetados pelo novo coronavírus antes do Brasil já apontavam para essa necessidade. O Ministério da Saúde só anunciou a compra de testes em 21 de março, e a aplicação efetiva da medida até agora permanece uma incógnita.
Com 76% de aprovação popular, segundo pesquisa Datafolha do início deste mês, Mandetta, que é ex-deputado federal pelo DEM, gabarita-se politicamente. Equilibrou-se entre as idas e vindas de Bolsonaro sobre a posição do governo quanto às medidas mais drásticas de distanciamento social, viu sua autoridade ser colocada em xeque pelo presidente, mas também falhou ao partir para o embate. Foi quando o político falou mais alto. Mas, como reforçou desde o início, não abandonou o paciente na doença.
O que será do país com Nelson Teich à frente da Saúde? Até aqui, é possível apenas fazer leituras criteriosas de seu discurso ao aceitar o cargo e de seus posicionamentos públicos anteriores. Ao afirmar que Saúde e Economia não competem na crise, mas são complementares, dá um norte positivo sobre suas intenções, até o ponto em que afirma ter um "alinhamento completo" com Bolsonaro. É uma fala que faz parte do protocolo em qualquer governo, não faria nem sentido ser diferente, se fosse essa uma gestão que atuasse dentro dos parâmetros da normalidade, em sintonia. Contudo, acaba criando expectativas de futuras tensões, quando se sabe que o novo ministro faz a defesa do isolamento mais agressivo, diferentemente do presidente.
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