O ano de 2020 ficará marcado por uma das maiores crises sanitárias da história, mas também poderá ser lembrado no Brasil como o início da quitação de uma das dívidas históricas do país na saúde pública: a universalização do saneamento básico. O novo marco regulatório do setor, aprovado pelo Congresso em junho, estipula metas ambiciosas e, de quebra, tem o condão de resolver outros gargalos brasileiros, sobretudo no pós-pandemia: o equilíbrio das contas públicas e a geração de emprego. E o Espírito Santo tem dado passos na direção certa.
A dívida é grande. Quase 100 milhões de brasileiros estão fora dos sistemas de esgotamento sanitário, e quase 35 milhões não têm acesso à água tratada. Nem metade dos dejetos gerados nos país são tratados. Para chegar a 2033 com 99% de sua população atendida com água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto, como determina a lei, nada menos do que 24 Estados precisam ampliar os investimentos no setor, segundo levantamento do Instituto Trata Brasil.
Para se ter uma ideia da dimensão do desafio, o Plano de Saneamento Básico, de 2013, previa metas similares e necessidade de um aporte de R$ 373 bilhões em 15 anos, cerca de R$ 25 bilhões anuais. Cinco anos depois, no entanto, a média anual ficou em torno de R$ 13 bilhões. Se fosse mantido esse ritmo de investimento, apenas São Paulo, Paraná e Distrito Federal bateriam a meta em 2033.
Apesar de ter que dobrar os valores investidos, o Espírito Santo figura entre os entes da federação com melhor desempenho no setor, com 88% da população capixaba com acesso à água e 55% à rede de esgoto, segundo dados mais recentes, de 2018. E prefeituras e Estado têm trilhado um bom caminho para ampliar os serviços com o apoio fundamental da iniciativa privada. Em outubro, Cariacica e Viana concluíram o leilão de PPPs, unindo-se a Serra, Vila Velha e Cachoeiro de Itapemirim, onde empresas já operam o sistema. A Cesan já busca caminhos para incorporar o capital privado, com propostas que incluem até venda de parte da estatal.
O marco legal vem para resolver os dois maiores problemas dos novos prefeitos, de acordo com o primeiro Ranking de Competitividade dos Municípios, lançado em novembro, que são justamente o saneamento básico e o equilíbrio fiscal. A regulação do setor para a entrada da iniciativa privada é algo que já deveria ter acontecido há muito tempo. Primeiro porque obras de esgotamento requerem verbas vultosas, o que nem sempre é compatível com os caixas da administração pública. E também porque, diante de orçamentos apertados, prefeitos e governadores costumam dar preferência para obras mais aparentes, com que possam imprimir a marca da gestão, como creches, pontes e hospitais. Com isso, o acesso a água e esgoto no Brasil exibe patamares medievais em algumas localidades.
Se antes as concessões já eram elemento crucial para equalizar o quadro, agora, com a queda da arrecadação provocada pela baixa na atividade econômica, é um bote salva-vidas. É a chance de tirar o país do atraso secular em um tema transversal, que engloba saúde, meio ambiente e cidadania. Como efeito cascata, traz impactos relevantes na retomada, como a geração de emprego e a economia de recursos públicos, que podem ser destinados a outras áreas prioritárias. O caminho das prefeituras para garantir a saúde, pública e financeira, passa obrigatoriamente pela descentralização dos serviços de saneamento.
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