As condições degradantes nas quais quatro crianças foram encontradas em Barra de São Francisco, no Noroeste do Estado, causam tanta revolta por elas terem sido colocadas nessa situação pelos próprios pais, de acordo com as investigações. As fotografias da residência são explícitas e chocantes, com sujeira acumulada, lixo, restos de comida, pontas de cigarro e fezes de gatos e cachorros espalhadas por todos os cômodos.
A insalubridade do ambiente é por si só uma violência, que alimenta as suspeitas de maus-tratos ainda mais aterradores. As vítimas contaram aos policiais militares que as resgataram que elas eram mantidas trancadas em casa com os animais e estavam sem se alimentar há vários dias.
Com a pandemia, as crianças, mantidas em cárcere privado, não estavam frequentando a escola diariamente. Foi a percepção dos profissionais de educação, contudo, que possibilitou o resgate. Quando uma das meninas precisou fazer uma prova presencial, o comportamento dela causou preocupação nos professores, que acionaram o Conselho Tutelar.
O episódio em que quatro irmãos - três meninas de 12, 10 e 6 anos e um garoto de 4 anos que os pais dizem ter autismo - foram encontrados recebendo um tratamento sub-humano por aqueles que deveriam zelar pelo seu bem-estar aponta um aspecto importante e nem sempre lembrado da escola: o de ser mais um espaço de proteção a crianças e adolescentes.
Em famílias desestruturadas pela falta de dinheiro, envolvimento com a criminalidade e tantas outras situações desarmônicas, é o ambiente escolar que pode proporcionar um refúgio, alimentação diária, além da vigilância diante de comportamentos fora da normalidade dos estudantes.
Os efeitos colaterais da crise sanitária, como se vê, são intangíveis. Não somente a perda de aprendizagem, a impossibilidade de socialização em idades em que isso faz parte do desenvolvimento infantojuvenil, há também esses prejuízos sociais impostos pela falta de convivência.
O drama dessas crianças acabou acentuado pelas circunstâncias. Mas é sempre importante reforçar que qualquer cidadão pode denunciar situações de maus-tratos de crianças ao Conselho Tutelar. A omissão, em casos como esse, vira conivência com a violência praticada por pais ou outros familiares.
Nas investigações, a Polícia Civil ainda vai ouvir outras testemunhas. Aguarda também os laudos da perícia feita na casa e dos exames das crianças para identificar se elas sofreram abuso sexual. Infelizmente, uma hipótese que não pode ser descartada. De acordo com o Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, de janeiro a maio deste ano foram registrados no Espírito Santo 1.735 situações de violação sexual de crianças e adolescentes.
Há um clamor popular por punições rigorosas para esse tipo de crime, mas é preciso também um entendimento mais profundo dessa recorrência, muitas vezes envolvendo parentes e pessoas próximas. Há algo de errado em uma sociedade na qual as crianças não estão protegidas dentro de casa: são vítimas de maus-tratos e abusos que, nos casos mais trágicos, acabam em morte.
A Lei Henry Borel, batizada em homenagem ao menino assassinado pelo ex-vereador Dr. Jairinho no Rio, tramita no Senado e prevê medidas protetivas e aumento de penas de crimes como infanticídio, abandono de incapaz e maus-tratos. É importante fortalecer a legislação diante da barbárie testemunhada contra crianças com tanta frequência no país. Todas merecem crescer e se desenvolver em um lar de verdade.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.