O presidente Jair Bolsonaro, nesta quarta-feira (15), louvou a trajetória do ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, no Exército. A aclamação é justíssima: Pazuello é reconhecidamente um militar que coleciona êxitos em logística e gestão em seus mais de 40 anos de caserna. Mas, na condição de general da ativa, não está predestinado ao cargo que ocupa provisoriamente há dois meses, tomando aqui emprestado o termo elogioso escolhido pelo presidente em sua postagem nas redes sociais.
As loas de Bolsonaro não são despropositadas, há contexto: a manutenção de Pazuello no cargo acaba de provocar mais uma crise institucional, com o apontamento de Gilmar Mendes sobre a gestão militar interina do Ministério da Saúde em plena pandemia. O ministro do Supremo cometeu erro na forma, não no conteúdo.
Foi grave afirmar que o "Exército está se associando a um genocídio", mas não o alerta de que a situação é inadequada para as Forças Armadas. Para se fazer entender, sem ruídos, a escolha das palavras deve ser minuciosa, principalmente quando a corda anda tão esticada no debate público. Um ministro da mais alta corte do Judiciário não pode se esquecer dessa premissa.
Afora a gestão provisória da pasta na maior crise de saúde pública desta geração, por si só problemática, a permanência de Pazuello confunde os limites entre o governo e as Forças Armadas. O militar já deveria ter seguido os passos do general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, e pedido a reserva. Pazuello só pode ser considerado um general da guerra contra a Covid-19 no campo da metáfora, não da literalidade.
O próprio vice-presidente da República, Hamilton Mourão, ele mesmo um general da reserva, defendeu a distinção em entrevista à GloboNews na terça-feira (15): "Não queremos trazer as forças, efetivamente, para dentro do governo".
Já Bolsonaro, em sua exaltação pública a Pazuello, sinaliza o contrário, ao listar as glórias militares de seu ministro. Em 3 de junho, quando Pazuello foi oficializado como ministro interino da Saúde, Bolsonaro chegou a afirmar que ele permaneceria no cargo "por muito tempo", o que já era por si só um paradoxo. Mourão, na mesma entrevista à Globonews, disse que "tudo indica" que o ministro será substituído em "um momento próximo". Há pressão do Centrão e da própria ala militar para tanto.
O desalinho é preocupante, sob o risco de politização das Forças Armadas. Até mesmo entre os militares a manutenção de oficiais da ativa em cargos no governo é vista com maus olhos, por deteriorar o próprio discurso de distanciamento.
As Forças Armadas são uma instituição de Estado e, portanto, não podem nem devem se agregar a governos, sob risco de esfacelamento do controle civil. Mas a gestão Bolsonaro carrega o fardo da farda: levantamento do jornal O Estado de S. Paulo apontou que 2,9 mil militares da ativa ocupam cargos no Executivo federal.
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É um constrangimento para as Forças Armadas acentuado pela permanência de Pazuello, mas um problema anterior a sua gestão no Ministério da Saúde. Entre os militares da reserva com cargos no governo também se faz necessária a adoção de uma postura civil, para que não haja sombras sobre o seu papel. O passado de farda não impede a participação na administração pública, caso competência e aptidões sejam atestadas. Mas o verde-oliva do uniforme precisa descansar para sempre no fundo do armário de quem decide assumir a função pública.
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