A medida provisória editada pelo presidente Jair Bolsonaro nesta quinta-feira (14) deixa uma grande interrogação na cabeça de quem acompanha com assiduidade as ações do governo. Ao firmar que os agentes públicos só poderão responder na Justiça por ilegalidade nos atos durante a pandemia se a intenção de fraudar for comprovada e o erro for relevante, o presidente faz vista grossa para irregularidades já registradas durante a crise sanitária no país.
No fim de semana, as polícias civis do Rio, São Paulo, Mato Grosso e Santa Catarina realizaram uma operação que desbaratou uma quadrilha que, insensível ao risco de colapso no sistema de saúde do país, praticava fraudes na compra de respiradores, com a participação de agentes públicos. Os crimes praticados não são novidade alguma na crônica policial brasileira: falsidade ideológica em documentos oficiais, criação de empresas de fachada e lavagem de dinheiro.
Dias antes, uma operação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro prendeu o ex-subsecretário de Saúde do Estado, Gabriell Neves. Ele faria parte de um grupo formado para obter vantagens em contratos emergenciais, que não carecem de licitação em meio ao cenário de pandemia.
A Medida Provisória, ao isentar de culpa integrantes da administração pública que não prezarem pelo cumprimento de seus deveres, viabiliza esse obscuro objeto de desejo de certa banda podre que ocupa cargos públicos. Cabe reforçar aqui que há muita gente séria nas fileiras do serviço público, o problema são as exceções.
Sem a devida punição em caso de malfeitos, os ratos fazem a festa. No mínimo estranho que um presidente que se gaba tanto de ter uma blindagem à corrupção endosse uma medida tão extemporânea. É justamente em situações de calamidade que os mecanismos de controle devem ter mais força.
Enquanto se busca uma vacina para a Covid-19, os agentes públicos, incluindo o próprio presidente e ministros, mas também aqueles que se encontram em um campo equivocadamente colocado como oposto pelo próprio Planalto, governadores e prefeitos, encontraram uma forma de se imunizarem, evitando que sejam futuramente responsabilizados não somente por irregularidades em contratações, mas também por atitudes e decisões que descumpram leis. Andar na rua, sem proteção, em meio a apoiadores, jamais poderá ser julgado como um crime contra a saúde pública, por exemplo. Evita-se, assim, dores de cabeça futuras.
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Afrouxar as responsabilidades de quem tem um compromisso com o interesse público é abrir as portas para o descaso. Gestores públicos devem ser punidos por seus atos, sob qualquer circunstância. A própria constitucionalidade da medida está em xeque, o que por si só demonstra o risco de se anistiar quem quer que seja por decisões equivocadas. A gravidade do momento que o país vive exige ainda mais compromisso de quem optou por servir ao povo.
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