Enquanto boa parte dos países comemora o arrefecimento da pandemia, o Brasil caminha na contramão e responde hoje por um em cada três mortos pelo novo coronavírus no mundo. Março de 2020 foi o mês mais letal da história do país, com a morte de mais de 140 mil cidadãos. O recorde foi puxado pelas vítimas da Covid-19, que representam um terço do total de óbitos. E este mês de abril tem todos os trágicos ingredientes para estabelecer um novo pico, com hospitais lotados, ameaça de falta de insumos e vacinação a conta-gotas.
O país ultrapassou a marca de quatro mil mortes pelo novo coronavírus em 24h na terça-feira (6), mesmo dia em que o Espírito Santo também registrou seu maior número desde o início da pandemia, com 110 óbitos. Se nada for feito para reverter esse curso, neste mês, no mais tardar no início de maio, o Brasil pode chegar às cinco mil mortes diárias. Pode soar como alarmismo para alguns, mas basta lembrar que até pouco tempo pensava-se que o país não ultrapassaria os dois mil mortos. Desde que rompeu essa marca até alcançar os quatro mil, foram menos de 30 dias.
Em uma ponta, está a curva de contágio acelerada, também com recordes atrás de recordes no número de infectados. Na outra ponta, está um sistema de saúde colapsado, que não dá conta dos doentes. Estima-se que o Brasil tenha atualmente entre seis e oito mil pacientes na fila das UTIs, à espera de um atendimento que pode significar a única chance de sobrevivência. E o ruim atrai o pior. Com as internações em alta, há ainda um iminente risco de falta de insumos médicos, entre eles oxigênio e remédios do kit intubação.
O cenário é tão trágico que já se projeta um colapso do sistema funerário. Até o momento, o Brasil escapou da cena dantesca de corpos empilhados e enterros em sacos plásticos, por falta de caixões, como tristemente visto em outros países. Mas essa realidade pode bater à porta se nada for feito. A estimativa, caso esse estado letárgico da gestão da pandemia permaneça, é de que o Brasil escalone para o assombroso número de meio milhão de mortos até julho.
Sinais desse apagão funerário começam a aparecer. Algumas cidades e Estados já registram um efeito da pandemia na taxa de crescimento demográfico, com mais óbitos do que nascimentos. É o caso do Espírito Santo, quarto na lista de nove entes da federação em que, na primeira semana de abril, mais pessoas morreram do que bebês nasceram, como divulgado pela coluna de Leonel Ximenes. Justamente nesse período o Estado teve dois recordes sucessivos de mortes diárias pela Covid-19.
Com dados de março de 2021, o país já registrou 47 mil óbitos a mais do que nascimentos. À guisa de comparação, em 2019, ano anterior à chegada da crise sanitária, o país teve 127 mil nascimentos a mais do que mortes. Em dezembro de 2020, quando o repique da epidemia ainda dava seus primeiros acenos, o Ipea calculou uma queda de 2,2 anos na expectativa de vida dos brasileiros para aquele ano. A mortalidade de pessoas na fase produtiva tem impacto imediato na estrutura etária da população e também efeitos a longo prazo, com queda na renda das famílias e na escolaridade dos brasileiros, por exemplo.
Um dia após o recorde de mortes no país, o presidente da República fez o de praxe. Zombou dos críticos, atacou a imprensa, reclamou das medidas restritivas e propagou informações falsas. O que Jair Bolsonaro não fez foi consolar familiares das vítimas e anunciar planos de contenção da pandemia, em sua mais tenebrosa fase. Os números só não são ainda mais dramáticos porque boa parte da população entende sua enorme responsabilidade e porque a maioria dos governadores e prefeitos tem agido com firmeza que o momento exige. Já os negacionistas e os negligentes têm não apenas intensificado a crise sanitária, como também prolongado o tempo necessário para que o Brasil se recupere.
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A porta de saída mais óbvia é a vacinação em massa, mas repetidamente o Ministério da Saúde tem revisado para baixo a disponibilidade de doses. No ritmo atual, os grupos prioritários, que correspondem a 77 milhões de pessoas, não estarão imunizados antes de setembro. É uma bomba-relógio. Para o secretário de Saúde, Nésio Fernandes, se o governo federal não vacinar toda a população adulta contra a Covid-19 até julho deste ano, o risco é de que o país não atinja a imunidade coletiva em 2021. São quase 100 milhões de pessoas a mais e dois meses a menos do que a expectativa. Por isso autoridades políticas do país devem trabalhar em uníssono para garantir a aquisição de vacinas e a aplicação de mais de um milhão de doses por dia. Não há um segundo a ser gasto com diversionismos de qualquer espécie.
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