A crise econômica que veio a reboque da pandemia do novo coronavírus passou como um trator por diversos setores de atividade, lançando milhares de brasileiros no desemprego. Mas as desigualdades de gênero que persistem na sociedade brasileira tornaram mais cruel a onda de choque sobre as mulheres. Os dados do Espírito Santo são nada menos do que assombrosos: apesar de serem minoria entre trabalhadores celetistas, 94% dos postos de trabalho extintos em 2020 eram ocupados pelo sexo feminino.
Maiores vítimas do esfacelamento do emprego formal, as mulheres também estão sendo excluídas da retomada. Em alguns setores, a esperada recuperação em V já está se concretizando no Estado. Prova disso é que foram criados 16.091 novos postos de trabalho no terceiro trimestre deste ano, segundo o Novo Caged, do Ministério da Economia. Desse total, no entanto, 85% das vagas ficaram com os homens. A discrepância entre os sexos é mais aguda no Espírito Santo, mas os números nacionais mostram a mesma realidade. De março a setembro, 65% das vagas cortadas pelas empresas eram ocupadas pelas mulheres, enquanto 77% dos novos postos criados de julho a setembro foram destinados ao sexo masculino.
Normalizado por séculos de prática, o machismo estrutural deixa fraturas expostas como essas em todos os aspectos das vidas pública e privada. Diferença salarial, assédio moral, violência doméstica, estupro, feminicídio e até a divisão de tarefas em casa são as mais evidentes. No mercado de trabalho, mulheres são preteridas em processos seletivos porque estariam “menos disponíveis” para as exigências da vaga, já que são tidas como as responsáveis pelo cuidado da casa e dos filhos. Nesta pandemia, com a suspensão das aulas, foram elas que tiveram que abandonar seus empregos para acompanhar as crianças em casa. Especialistas em recrutamento apontam que na hora de despedir alguém, muitos empresários enxergam o salário da mulher casada como “renda extra”, enquanto os homens casados são vistos como o sustento da família.
Nada disso, infelizmente, é novidade. Não à toa, um dos lemas atuais da parcela da população brasileira que luta para mudar o cenário é que “representatividade importa”. Garantir espaço a mulheres na vida pública contribuiria não apenas pelo valor simbólico para as novas gerações, com o exemplo que inspira, mas pelos efeitos práticos de uma participação mais ativa nos espaços de poder. As eleições municipais mostraram que, no campo político, há indícios de mudança, mas há muito o que ser feito.
O dado a ser comemorado é que houve um recorde de candidaturas femininas na disputa pelas prefeituras e câmaras municipais. No entanto, embora as mulheres formem a maior parte do eleitorado brasileiro, apenas 12,2% das prefeituras do país serão comandadas por elas — excluindo as cidades em que a disputa ainda está em aberto. No Espírito Santo, elas perderam espaço em relação à atual legislatura. Dos 74 vereadores eleitos em Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica, apenas cinco são mulheres.
Os números do mercado de trabalho e da política mostram o gigantismo do obstáculo e a urgência de enfrentá-lo em nome da equidade e do consequente desenvolvimento sustentável do país. A discriminação que dificulta ou impede a atuação feminina em condições de igualdade em qualquer terreno é não apenas um problema social, o que já seria motivo suficiente para combater o preconceito, mas também um gargalo político e econômico. Estudo do Banco Mundial calcula que a riqueza total no planeta teria uma alta de 14% se fosse alcançada a igualdade salarial entre homens e mulheres. A Organização Internacional do Trabalho sustenta que, se fosse alcançada a igualdade entre homens e mulheres na mão de obra formal, a economia brasileira teria um acréscimo de 6 pontos percentuais.
Algumas medidas pontuais têm sido tomadas por empresas e governos para reverter o quadro. O Congresso debate cotas para mulheres em cargos legislativos, enquanto companhias adotam programas de empoderamento feminino. As reações raivosas a ambas as posturas por parcela da população prova que o desafio é grande, mas o barulho deve servir de incentivo, mesmo que às avessas, àqueles dispostos a calar discursos discriminatórios de qualquer natureza. Mudança cultural desse quilate exige o envolvimento de todos, seja desconstruindo preconceitos disseminados nas banalidades do dia a dia, seja construindo grandes políticas públicas. Igualdade não se produz com indiferença.
Este vídeo pode te interessar
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.