A atuação do presidente Jair Bolsonaro, na abertura remota da da 75ª Assembleia Geral da ONU, expôs um Brasil que se distancia cada vez mais de sua tradição diplomática. Não é exagero dizer que o governo Bolsonaro não faz política externa; o que se testemunhou nesta terça-feira (22) foi proselitismo externo. Não muito diferente do doméstico, capaz de engajar somente os já alinhados. Afinal, o próprio "globalismo" das Nações Unidas já é, por si só, território inimigo do bolsonarismo. Não deveria ser.
A defesa da política ambiental e das estratégias de combate à pandemia, da forma que foi executada, pareceria apenas pueril, como a desculpa de uma criança que não fez o dever de casa, não estivessem o Brasil e o mundo confrontados regularmente com a realidade: a omissão deste governo em relação aos dois temas.
Bolsonaro, amparado por sua assessoria "diplomática", construiu um discurso que não se sustenta e não convence as grandes lideranças mundiais. A panaceia se espalhou por temas além dos já citados, da equivocada interpretação da decisão do Supremo que deu autonomia aos Estados na pandemia à ilação de que indígenas são responsáveis pelos incêndios. Da Amazônia úmida e imune ao fogo à cloroquina como salvação da Covid-19.
Diante da comunidade internacional, Bolsonaro deu prosseguimento à tradição brasileira de inaugurar a Assembleia Geral, iniciada com Oswaldo Aranha no nascimento da organização. Justamente o presidente que, no ano de uma pandemia, ignorou solenemente protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), um dos braços mais importantes das Nações Unidas. Mas não poderia perder a oportunidade de usar o palanque internacional para a propaganda do próprio governo, como se o mundo já não estivesse abastecido de informações sobre os absurdos brasileiros.
Mas nem mesmo Bolsonaro com todas as suas críticas à ONU conseguiria dar as costas para as instâncias de interação internacional, sob o risco de um isolamento ainda mais danoso para as relações econômicas brasileiras. Bolsonaro não é bobo, sabe disso. Estão na mesa os riscos que cercam a implementação do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), com oposição de países como França e Alemanha.
E a entrada dada como certa para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) foi uma de suas bandeiras no primeiro ano de mandato. Como se sabe, nada aconteceu. E a imagem do país, com o desmonte ambiental, torna esse ingresso cada vez menos plausível.
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O Brasil de Bolsonaro é um território em que a negligência tem justificativas ideológicas. Não há autocrítica, não há parâmetros para um diálogo que envolva a sociedade em torno de problemas que são concretos. No discurso da ONU, ficou patente que se aposta também em um monólogo com a comunidade internacional. Afinal, as teorias da conspiração estão aí para colocar o país como vítima de um complô mundial. Como se o governo brasileiro não fosse responsável pelos problemas que ele próprio constrói.
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