"Sempre que chove, o drama se repete: ruas alagadas, bairros isolados, famílias desamparadas. A água não encontra barreiras que a impeçam de invadir casas, lojas, escolas e deixar um rastro de destruição. Sempre que chove, as promessas se repetem: projetos, obras, ações do poder público para acabar com os alagamentos. Mas o curso das águas não encontra barreiras".
Esse lide — termo jornalístico usado para designar o primeiro parágrafo de uma notícia — foi escrito pela repórter Aline Nunes em 2018, em A Gazeta. Mas já se tornou atemporal, dada a acurácia para retratar tragédias que, infelizmente, tornaram-se corriqueiras no Espírito Santo, sempre que há chuvas acima da média, como as registradas nas últimas semanas em praticamente todo o Estado.
Investimentos existem. E bilionários, o que mostra o tamanho do desafio para que cenas como as que têm sido registradas de norte a sul do Estado não se repitam. Levantamento recente deste jornal mostra que, desde 2019, Estado e municípios já investiram mais de R$ 1,2 bilhão em obras de contenção de encostas, macrodrenagem, limpeza de galerias, sistemas de monitoramento das chuvas, estações de bombeamento e outros. Apesar da quantia vultosa, as chuvas seguiram provocando mortes e destruição.
Foi assim, por exemplo, em janeiro de 2020, quando uma forte chuva causou estragos em 25 cidades. A mais afetada delas foi Iconha, onde houve mortes, além de pontes, casas e comércio destruídos pela enchente no rio que corta a região. Esse cenário de devastação se repete agora, desde a segunda metade de novembro, em vários municípios do Estado. Até o último sábado (3), mais de três mil pessoas, em 17 municípios, tiveram de deixar suas casas. Na BR-101, uma cratera se abriu na pista entre Aracruz e Linhares, na Região Norte. O tráfego precisou ser totalmente interditado.
Em Viana e Fundão, dois dos municípios mais atingidos, o acumulado de chuvas chegou a 200 milímetros, entre quinta (1º) e sexta-feira (2). Rios transbordaram, bairros inteiros foram alagados e famílias viram a água destruir suas casas. Drama que se transformou em tragédia. Um idoso morreu soterrado após a casa onde morava desabar, em Jucu, Viana. Uma mulher foi socorrida com vida dos escombros.
Os investimentos do setor público precisam continuar, vultosos e constantes, para que o Estado não enfrente novamente desastres como o de 2013. Para que, apesar das chuvas, não tenha que encarar milhares de desabrigados, mortes e destruição. Naquele ano, mais de 60 mil pessoas tiveram que abandonar suas casas. Neste 2022, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, coronel Alexandre Cerqueira, afirmou que as condições climáticas dos últimos dias são similares àquelas de 9 anos atrás. As cidades têm que estar preparadas para as adversidades. Chuvas intensas podem até pegar o cidadão de surpresa, mas não gestores bem preparados, cientes de seu dever e dos desafios impostos pelas mudanças climáticas.
O prognóstico dos institutos de meteorologia para os próximos três meses é preocupante. A previsão para o período é que chova acima da média histórica no território capixaba até fevereiro. Informação que desde já causa medo a 33.930 pessoas na Grande Vitória que moram em regiões de risco iminente de deslizamentos, inundações, entre outras tragédias, de acordo com dados das prefeituras. A Região Metropolitana também apresenta mais de 350 áreas consideradas de risco, sendo a maior parte de risco alto e muito alto de deslizamento.
Lidar com esse quadro é o desafio para as administrações públicas, mas também para a população. Uma cena chamou a atenção neste período de fortes chuvas no Estado, com a retirada de toneladas de lixo do Rio Formate em Cariacica, acompanhado de um apelo do prefeito, Euclério Sampaio, para o descarte correto de resíduos. Investimentos em macrodrenagem, desassoreamento de rios e canais, contenção de encostas são essenciais, protegem a camada mais vulnerável da população. Mas a solução do problema exige compromisso também dos moradores.
Obviamente a maior parcela de responsabilidade recai sobre o poder público. Especialistas ouvidos por A Gazeta apontam que a falta de planejamento no crescimento das cidades tem provocado impacto significativo quando há chuvas volumosas. Locais naturalmente destinados para acúmulo de água, como margens de rios e estradas, foram ou estão sendo ocupados desordenadamente, criando-se o “caos perfeito” para que as fortes chuvas sejam destrutivas.
Sem respeito ao meio ambiente e uma ocupação planejada das cidades, cenários de destruição em períodos chuvosos se repetirão. A força da natureza vai se impor. É preciso respeitá-la. Insistir no erro da falta de ordenação eficiente das cidades será desafiá-la. O poder público precisa selar um compromisso perene para que fortes chuvas não sejam sinônimo de tragédia no Espírito Santo. De nada adianta investimento sem planejamento.
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