Certas irregularidades flagradas na administração pública são tão tipicamente brasileiras que já se enquadram na paisagem nacional. Em 2020, após muitos embates políticos, ficou acertado que Estados e municípios receberiam repasses federais para o enfrentamento da pandemia com a contrapartida de não aumentarem suas despesas com recursos humanos, ficando proibidos reajustes, contratações, criação de cargos ou alterações estruturais que demandem mais dinheiro público até 31 de dezembro de 2021. Está tudo discriminado na Lei 173/2020, aprovada para ajudar os gestores a equilibrar as contas com a flexibilização de crédito e renegociação de dívidas.
Mas como no Brasil a lei precisa "pegar", a despeito de haver uma crise sanitária sem precedentes em curso, no Espírito Santo dez prefeituras e três câmaras municipais não passaram no pente-fino do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCES). Os órgãos flagrados pelo levantamento editaram atos normativos - leis, resoluções e portarias - aumentando o gasto com pessoal ou estabelecendo despesas para os anos seguintes. Tudo explicitamente proibido na legislação específica para a crise sanitária.
Mas houve também irregularidades com uma velha conhecida da administração pública, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). A auditoria revelou que, como 2020 foi um ano eleitoral, alguns desses atos foram editados nos últimos 180 dias de mandato do prefeito ou presidente da Câmara, o que é vedado pela regra que desde o ano 2000 rege o controle dos gastos públicos pelos entes federativos. A lei impõe limites para despesas com a folha de pagamento.
Os 13 órgãos que violaram a legislação já foram notificados, havendo inclusive a revogação de atos normativos por parte deles. Todos terão prazo para apresentar sua defesa. A revogação, voluntária ou após a constatação da irregularidade por um órgão externo, não diminui o malfeito administrativo.
É completamente inadmissível a burla a um compromisso de equilíbrio fiscal para favorecer o funcionalismo municipal, enquanto o restante da população arca com o desemprego ou com a redução de salário e jornada, no caso da iniciativa privada. A lei foi criada para ser cumprida. A correção do erro não o apaga.
A sanha com gastos com pessoal nas administrações municipais tem um viés político evidente, mas também mostra a incapacidade de disciplinar os gastos públicos, sobretudo em municípios sem fonte diversificada de receitas, dependentes do próprio setor público. Cidades que não conseguem dinamizar sua economia, atraindo mais investimentos, permanecem reféns da administração pública, a maior empregadora. Não produzem riqueza, apenas redirecionam continuamente seus recursos para sustentar a máquina.
Uma reforma vigorosa do Estado brasileiro é fundamental para corrigir essas distorções do serviço público, que precisa existir para atender às demandas da população com saúde, educação e segurança, mas não pode ser um fim em si. Tampouco ficar à mercê dos ventos políticos, com aumentos tendenciosos em anos eleitorais. O que falta é racionalidade, para que aumentos de gasto com pessoal, vedados por lei em plena crise sanitária, sejam encarados pelo gestor público como aquilo que realmente são: um absurdo.
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