Não é de hoje que o Brasil está parado na fila. Quem viveu os anos 70 e 80 se lembra da amargura das longas filas do INPS, o órgão público previdenciário anterior ao INSS. Foi, durante anos, o emblema vivo da ineficiência estatal. Nos últimos anos, a espera persistiu, mas com uma mudança na paisagem: as longas filas se tornaram virtuais. Por essa razão, a dramática situação de quem tem passado a noite na frente de agências da Caixa para ter acesso ao auxílio emergencial lembra tanto um passado que, na prática, nunca ficou para trás.
Chegou-se ao cúmulo de, nesta terça-feira (5), um homem de 55 anos ter uma parada cardíaca após seis horas na fila pelo benefício em uma agência da Serra. O preço do descaso está muito próximo da morte, como se vê. A família informou que ele andava estressado com os obstáculos para sacar o valor a que tem direito. Com tantas etapas, senhas e cronograma confuso, o auxílio que deveria ser um alento momentâneo virou uma dor de cabeça, afetando até mesmo a saúde de quem depende dele.
A questão é que, por mais que sejam o aspecto visível da burocracia e da incompetência crônicas no país, as filas quilométricas reaparecem em um momento completamente inoportuno. E não só ao redor do que envolve os R$ 600 distribuídos pelo governo federal: aglomerações também estão sendo registradas nas farmácias cidadãs, um serviço essencial para doentes crônicos e idosos que não teriam acesso a medicamentos de outra forma. Sob a responsabilidade da Secretaria Estadual da Saúde (Sesa), todo o trabalho de conscientização promovido pelo próprio governo estadual para conter a Covid-19 acaba se desmoralizando quando tanta gente, já com a saúde debilitada, precisa se expor ao risco nessa espera.
Tudo porque, em plena pandemia, o Estado brasileiro, independentemente da esfera, continua incapaz de agilizar os procedimentos para fazer dinheiro e remédios chegarem mais facilmente às mãos de quem precisa. É inaceitável que o auxílio emergencial tenha sido uma medida definida justamente para acalentar aqueles que sofrem diretamente os efeitos da paralisia econômica, mas acabou se tornando um estorvo, deixando tantas pessoas vulneráveis ao contágio. Na prática, a medida assistencial que garantiria o distanciamento social tem provocado o oposto, com as pessoas reunidas diariamente, ocupando quarteirões nas proximidades das agências.
Não há dilema para quem não tem como colocar alimento no prato: o sustento vem primeiro, a perda da saúde será algo com que se lidar depois. E dá-lhe mais fila, desta vez nas portas dos hospitais. O poder público, seja pela exigência de documentos, seja por fazer vista grossa às filas desorganizadas, demonstra total incapacidade de lidar com a calamidade. Emergência é uma palavra que virou mero adorno. Há paliativos, como tem ocorrido em Santa Teresa. Lá, a prefeitura e a Caixa resolveram abrigar quem espera em uma quadra, aberta, e com cadeiras espaçadas. É, portanto, possível dar alguma dignidade aos beneficiários.
Este vídeo pode te interessar
O que fica explícito em cada brasileiro nessa situação é a falta de sensibilidade de quem define as políticas públicas, ignorando carências e necessidades de um Brasil significativo demais, mas que permanece invisível. O Brasil, com "s" mesmo, com perdão ao saudoso Aldir Blanc, segue não conhecendo o Brasil.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.