O desenvolvimento do transporte ferroviário está totalmente engatado à Revolução Industrial. Pouco mais de 20 anos após a tecnologia ter se aprimorado a ponto de dar a partida à primeira locomotiva no Reino Unido, ligando Manchester a Liverpool, o Barão de Mauá, com sua predisposição empreendedora, inaugurava a primeira estrada de ferro brasileira em 30 de abril de 1854. Um trecho de apenas 15 quilômetros, mas com a dimensão significativa de aproximar o país da vanguarda logística mundial, um lugar que não mais conseguiu se posicionar desde a primazia do transporte rodoviário, a partir dos anos 1950. O Brasil tem menos de 30 mil quilômetros de ferrovias.
É difícil até de acreditar que Vitória e Rio de Janeiro já estiveram conectadas por trilhos, pela mítica Estrada de Ferro Leopoldina, Em pleno 2020, persiste o sonho de retomada da conexão por meio da construção da Estrada de Ferro Vitória-Rio (EF 118), mas nem mesmo um trecho ínfimo dessa jornada consegue sair do papel.
Como contrapartida pela renovação antecipada por mais 30 anos do contrato de concessão da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), a Vale se comprometeu a investir aproximadamente R$ 3 bilhões na construção do trecho entre Cariacica e Anchieta. Mas há um novo entrave no meio do caminho: o parecer desfavorável área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) à antecipação do novo contrato. O impasse diz respeito ao método de cálculo da tarifa de transportes de cargas, diferente do já avaliado pelo Conselho Administrativa de Defesa da Concorrência (Cade).
O pé no freio burocrático tende a inviabilizar os prognósticos otimistas do governo federal. No início de junho, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, havia anunciando que as obras do primeiro trecho estavam programadas para serem iniciadas entre o final de 2021 e o começo de 2022. O parecer do TCU é um balde de água fria, mas não é o primeiro.
A mineradora e o governo negociam a antecipação da renovação, prevista originalmente para 2026, desde 2016. A Vale se compromete a fazer investimentos em lugar do pagamento da outorga, como ocorreria em um leilão comum. Na primeira proposta, o trecho a ser construído pela Vale iria até Presidente Kennedy, totalizando 160 km. Mas parte do investimento acabou transferido para a Ferrovia da Integração do Centro-Oeste (Fico). Foi necessária uma batalha política para o Espírito Santo não sair de mãos vazias.
A ampliação da malha ferroviária, por si só, é imprescindível para superar os gargalos logísticos e ampliar a competitividade do setor produtivo. O ramal até Anchieta será concedido e servirá para o transporte de outros produtos além do minério de ferro. Com o retorno das atividades da Samarco, em Ubu, a conexão entre as mineradoras será qualificada. Sem falar que será a primeira etapa para a comunicação posterior com o Porto Central, em Presidente Kennedy, ampliando a possibilidade de negócios.
Contudo, a demora prevalece a ponto de os impasses ganharem a distância suficiente no tempo para deixarem de ser notícia e ganharem os livros de História. Não faz sentido. Investimentos públicos em logística são inviabilizados em um país com recursos cada vez mais comprometidos com a própria manutenção do Estado. E quando se chega a um consenso para o uso do capital privado, os impasses se sucedem até o ponto de se inviabilizar o investimento. Espera-se que se encontre uma solução rápida, juridicamente viável, para que essas obras saiam dos trilhos. Seu potencial econômico é incontestável.
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A implantação de ferrovias são projetos de longo prazo, que exigem comprometimento de governos. É provável que quem plante a semente não venha a colher os frutos políticos, por serem projetos de Estado, que perpassam mandatos. O déficit logístico brasileiro é demasiadamente acentuado para tanta letargia. São mais de três décadas sem um planejamento estratégico no setor, e o pequeno trecho entre Cariacica e Anchieta tem um simbolismo que remete a Mauá, com sua primeira ferrovia. Há muito mais a ser feito, mas é preciso partir de algum lugar.
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