Sobram justificativas oficiais para o mais recente atropelo nas obras da BR 101, e o que continua faltando é a paciência do usuário, que se depara com as sete praças de pedágio na extensão da rodovia em território capixaba e vê os avanços estruturais engatinharem desde o início da concessão, em 2014.
A duplicação do trecho de 30 quilômetros entre Viana e Guarapari sofreu mais um atraso: a entrega da obra, prevista para maio passado e posteriormente adiada para este mês, ficou para o primeiro semestre de 2021. Sem data marcada.
Interrupções pontuais seriam aceitáveis não fosse a concessão marcada por tantos percalços. O singular ano de 2020, por si só, foi capaz de sozinho engolir projetos de interesse público, mas a pandemia está longe de ser o maior dos contratempos a atravessarem a rodovia.
Se em junho passado, provocada pelo Ministério Público Federal (MPF), a Eco101 afirmou que precisou "readequar sua forma de atuação em razão da pandemia", o que provocou a redução das atividades, a justificativa atual para o adiamento da entrega dos seis quilômetros restantes do trecho entre Viana e Guarapari é técnica. Com a detecção de instabilidades geológicas em 25 pontos da região, a concessionária informou que novas intervenções de engenharia serão necessárias para a estabilização do solo.
Impressiona que o problema tenha sido percebido mais de três anos após o trecho ser incluído entre outros quatro que teriam as obras retomadas, após o período turbulento em que a concessionária chegou a desistir da duplicação, em 2017. De lá para cá, foram concluídos o Contorno de Iconha e também os outros três trechos: João Neiva, Ibiraçu e Anchieta. Enquanto isso, as obras entre Viana e Guarapari se arrastam.
Uma falha geológica tão relevante, capaz de desestabilizar a estrutura da reforma, já deveria estar no radar das equipes de engenharia há mais tempo, o que expõe uma chaga recorrente nas grandes obras nacionais: o descaso com projetos executivos minuciosos, capazes de antever as adversidades que podem inviabilizar os trabalhos.
E o poder público também acaba sendo uma pedra no sapato, com trâmites burocráticos que emperram o andamento das obras. As próprias licenças ambientais para o trecho Sul, de Viana a Presidente Kennedy, demoraram mais de três anos para serem assinadas. O contrato previa a liberação em 2015, o que só foi ocorrer em 2018.
Mas o maior impasse da BR 101 permanece sendo o trecho Norte, por conta dos cerca de 23 quilômetros da BR 101 que cortam a Reserva Biológica de Sooretama (Rebio). A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) informou em setembro que esperava resolver a questão até o fim deste ano. Sem a licença ambiental, não há obra, o que impõe a urgência.
A BR 101 é vital para o desenvolvimento do Estado. Dos atrasos no leilão, passando por brigas nas Justiça entre os concorrentes até os impasses sobre os valores do pedágio, a duplicação da rodovia ganhou contornos rocambolescos sobretudo pelas falhas na elaboração de contratos.
O desenvolvimento da infraestrutura no país passa necessariamente pelo investimento privado, mas exige um ambiente de negócios mais salutar, no qual os compromissos firmados sejam efetivamente cumpridos, com menos burocracia e insegurança jurídica.
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E, para que o investimento privado modernize o país, o Estado brasileiro tem o fundamental papel de limpar o caminho, com uma legislação que esteja aberta às oportunidades, sem fazer vista grossa para as contrapartidas exigidas das concessionárias. O programa de privatizações e concessões do governo federal, que tanto tarda a sair do papel, não pode se descuidar desses aspectos, até mesmo para ser atraente aos olhos de quem investe.
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