Em meados deste ano, o prognóstico já era terrível. Dados do Observatório da Segurança Pública do Espírito Santo, divulgados pelo governo do Estado, apontavam que o número de feminicídios registrados nos primeiros sete meses de 2021 já ultrapassava 80% dos casos contabilizados durante os 12 meses de 2020. Neste mês de outubro, o pior cenário se confirmou. O Espírito Santo já tem quatro vítimas a mais do que em todo o ano passado.
O rosto mais recente da tragédia é o de Carla Valadares da Silva Souza, de apenas 35 anos, assassinada de forma brutal pelo ex-marido, em Guaçuí. Adilon Roberto de Souza, de 43 anos, atropelou a mulher quando ela buscava ajuda para fugir dele. Carla é a 29º mulher a ser morta no Estado neste ano pelo simples fato de ser mulher. Em todo o ano de 2020, foram 25.
Todos os crimes partem de uma mesma raiz podre: a misoginia, incrustada na sociedade brasileira. A legislação até avança, mas não consegue dar conta de um fenômeno que é, antes de tudo, cultural. O sentimento de posse e o menosprezo dos homens em relação às mulheres é punido com leis específicas, mas não é evitado por elas. Muitos brasileiros se compadecem das mulheres mortas, mas nem todos condenam e combatem o machismo que as vitima. Não denunciam agressões, mesmo quando são testemunhas de frequentes maus-tratos. Prevalece ainda o ditado de que “em briga de marido e mulher, não se mete a colher”.
Esses números não podem ser normalizados. Essa é uma tarefa não apenas da polícia, que pouco pode fazer para prevenir crimes de proximidade - a maioria massiva dos casos de feminicídio e agressões contra mulheres é cometida por maridos, namorados e ex-companheiros das vítimas. Reduzir esses indicadores é uma missão de toda a sociedade. Família, escola e instituições têm o dever moral de mitigar a cultura machista.
No campo das políticas públicas, há ainda muito a ser feito. Falta uma sólida rede de apoio para as vítimas de violência doméstica, que vai desde a capacitação de profissionais, até mesmo policiais das delegacias especializadas, para entender as diferentes camadas de agressão. Abrigos para as que escapam dos abusos físicos e psicológicos, centros de formação profissional para as que fogem da dependência financeira e campanhas contra a violência moral são alguns exemplos.
E, sobretudo, que os serviços de apoio sejam de fácil acesso. A série “Maid”, sucesso de público e crítica na Netflix, mostra como o emaranhado burocrático pode ser impeditivo para as mulheres, mesmo quando há ajuda institucional. Na Austrália, onde uma mulher é vítima de feminicídio a cada nove dias, acaba de ser aprovado um auxílio financeiro para que as vítimas de violência doméstica possam deixar os parceiros agressores. No Brasil, uma mulher é assassinada a cada duas horas. Com números tão gritantes, nossas políticas têm que ser estridentes. A violência contra as mulheres não pode simplesmente fazer parte da paisagem do Brasil e do Espírito Santo.
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