O 7 de Setembro bolsonarista, com ruas tomadas em várias cidades brasileiras por manifestantes em defesa do presidente, foi pródigo na pauta antidemocrática. O verde-amarelo foi tomado de assalto por reivindicações que desbotam as cores da bandeira, com pedidos de destituição violenta de ministros do Supremo e intervenção militar com o próprio Jair Bolsonaro no poder, salpicados pelas alucinações do combate ao comunismo e da exigência do voto impresso. Centenas de milhares de pessoas mobilizadas para uma agenda autoritária e totalmente desvinculada dos problemas reais do Brasil.
Para essa massa que serviu para preencher a fotografia da demonstração de força do governo - mas que pelas estatísticas de institutos sérios de pesquisa não passa de 1/4 da população brasileira -, Jair Bolsonaro segue sendo o mito. Para a parcela conectada com a realidade do país, esse conceito sobre-humano lançado sobre alguém eleito para governar pessoas de carne e osso, sob a égide do Estado democrático de Direito, não tem se mostrado suficiente para resolver a crise instaurada, em um país cada vez mais desnorteado. Idolatria não é gestão.
Quando Bolsonaro tomou o microfone para discursar ao seu eleitorado fiel, tanto em Brasília quanto em São Paulo, ele ignorou todos os demais brasileiros. E, pior, desconsiderou a tragédia que está sendo vivenciada neste momento: a fome que se alastra, o desemprego que atinge 14 milhões de pessoas, a inflação crescente que corrói o bolso do trabalhador, a gasolina e o gás de cozinha nas alturas, a crise energética que pode paralisar o país, os investimentos em fuga, o dólar incontrolável. E sem falar na pandemia, que, pode até não parecer, ainda não acabou. Os quase 600 mil mortos no país não podem ser esquecidos.
Em vez de acalmar a população, firmando um compromisso pela recuperação do país, com o encaminhamento das reformas estruturantes, adotou um tom golpista despropositado, com ameaças diretas a ministros do STF, cujo ápice foi a afirmação categórica de que não vai cumprir nenhuma determinação judicial do ministro Alexandre de Moraes.
Abriu, com as próprias mãos, o caminho para ser acusado de crime de responsabilidade, de acordo com a análise de juristas e do próprio presidente do STF, Luiz Fux. Bravata ou não, é inacreditável que um chefe de Estado, em pleno século 21, atropele de forma tão leviana a Constituição, a sustentação da nossa democracia.
As instituições estão atentas, como tem sido registrado na reação dos Poderes desde a terça-feira (7). Sobretudo o presidente do STF, que com a responsabilidade de garantir a integridade dos membros da Corte, foi veemente ao se posicionar contra as ameaças explícitas de Bolsonaro e de seus seguidores incendiários. "Este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções. Ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor e perseverança", afirmou Fux, reforçando a ilicitude de se propagar discursos de ódio contra os ministros e incentivar o descumprimento de ordens judiciais. Bolsonaro é o presidente, mas não está acima da lei. Pelo contrário, deve ser um exemplo no seu cumprimento.
"O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", completou Fux.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, também demarcou o território democrático, enfatizando o cumprimento da Constituição. "[A Câmara] estende a mão aos demais Poderes para que se voltem ao trabalho, encerrando desentendimentos. Temos a nossa Constituição, que jamais será rasgada". Guardião dos pedidos de impeachment, silenciou-se sobre qualquer movimento nesse sentido.
O Procurador-geral da República, Augusto Aras, seguiu a mesma linha: pregou a defesa do texto constitucional, mas sem críticas diretas a Bolsonaro. "As manifestações do 7 de setembro foram a expressão de uma sociedade plural e aberta, características de um regime democrático", contornou o PGR.
Bolsonaro, neste 7 de Setembro, apostou na virulência contra os demais Poderes, em destaque o Judiciário, para justificar a própria incompetência. E com essa estratégia contribui para ser o principal inimigo de sua gestão. O fogo amigo de Bolsonaro deve paralisar no Congresso a agenda urgente de recuperação econômica, sobretudo no Senado. São os contrapesos.
O Ministério da Economia tem algumas prioridades, projetos como o Orçamento de 2022, a privatização dos Correios e as reformas administrativa e tributária. Votações que estão em risco, diante das distensões provocadas pelas ameaças do presidente.
Mito para alguns fanáticos, Bolsonaro deveria levar a sério a alcunha e encarar seus 12 trabalhos, inspirado em Hércules. Pelo menos como metáfora, visto que no Brasil há muito mais a ser feito. Organizar a educação pública para a formação de trabalhadores mais qualificados, viabilizar os investimentos privados com o fortalecimento do Estado brasileiro, privatizar as estatais deficitárias, equilibrar as contas públicas, tratar com seriedade (sem populismo) a segurança pública, adotar mais eficiência administrativa nos serviços de saúde, moralizar a administração pública. Há tanto a ser feito. Bolsonaro, desde 2019, tem falado muito, o tempo todo. É o mito das bravatas. E só.
Basta de provocações. Basta de ameaças descabidas. Mesmo que os tiros sejam de festim, eles são suficientes para desestabilizar um país já machucado demais. Bolsonaro precisa ser enquadrado e responsabilizado pelas suas intimidações. Como é possível chamar de patriotismo algo que prejudica tão frontalmente o país que dizem defender com unhas e dentes? Enquanto o Brasil real sofre, o presidente só se compromete com as estratégias para se manter no poder.
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