A prisão do soldado da Polícia Militar Lucas de Figueiredo Pereira, de 37 anos, é mais um episódio que escancara como a corporação segue incapaz de dar respostas rápidas sobre a má atuação de seus membros. Lucas é suspeito de matar um jovem em uma distribuidora de bebidas na Serra durante uma briga motivada pelo consumo — pelo próprio policial — de um pino de cocaína que, segundo as investigações da Polícia Civil, pertencia à vítima.
Se a descrição do caso, isoladamente, é a própria definição de mundo cão, o roteiro fica ainda mais insólito quando se conhece a ficha criminal do policial, por mais paradoxal que isso seja.
Em abril de 2019, de acordo com a Polícia Civil, Lucas deu um tiro para o alto e uma coronhada no dono de um bar em Jardim Camburi, em Vitória, por discordar do valor da conta. Mais de dois anos depois, em setembro de 2021, no mesmo bairro, foi acusado de agredir com coronhadas um frentista. O policial, que estava de folga, justificou a ação com a apreensão de uma pequena quantidade de maconha do trabalhador. Testemunhas, à época, disseram que o policial estaria bebendo com um amigo no posto por volta das 5h, mas após um desentendimento o amigo teria ido embora.
Sabe-se, por essas duas situações, que o policial adotou duas vezes as coronhadas diante de contrariedades. E, em outro episódio, também repetiu o envolvimento em confusões em postos de gasolina. Em maio deste ano, novamente nesse tipo de estabelecimento, mas no bairro Manoel Plaza, na Serra, as câmeras flagraram o policial atirando no calcanhar de um homem após uma discussão durante uma partida de sinuca.
A pergunta que não quer calar: como esse policial ficou tanto tempo nas ruas, com um histórico de comportamentos tão inadequados a um agente da lei e da ordem, até atentar contra a vida de outra pessoa? Abusos de autoridade de membros do braço armado do Estado estão sempre à beira de uma tragédia. Mas a conduta à paisana dos policiais também deve ser acompanhada de perto pela corporação, e no caso de Lucas já havia razões suficientes para um afastamento preventivo.
Casos assim devem ser tratados com mais dedicação e seriedade pela Corregedoria e pela própria Justiça, sem corporativismos. O desgaste acaba sendo da própria imagem da corporação. Homens de farda que agem sem decoro devem ser afastados. Não há espaço para policiais com atitudes tão reprováveis. A punição deve vir, é claro, após passarem por investigação rigorosa, com direito à ampla defesa como qualquer outro cidadão brasileiro.
O que se testemunha com frequência são processos administrativos morosos, que aguçam a sensação de impunidade. Vale lembrar o caso do sargento da PM que, após ser flagrado pelas câmeras agredindo um frentista em Vila Velha, levou quase um ano e meio para ser condenado a um ano e cinco meses de prisão em regime aberto. Já no processo administrativo disciplinar, ele recebeu uma "repreensão" da Corregedoria da Polícia Militar, após um ano e sete meses de apuração e ao menos quatro licenças médicas concedidas ao sargento.
Qualquer policial é um agente da lei, mas não está acima dela. O problema é que esses desvirtuamentos continuam sendo tratados sem a devida rapidez e transparência. A falta de empenho em investigar e punir um policial com um histórico criminoso suja o nome da própria corporação. É impossível não pensar que uma morte poderia ter sido evitada se houvesse uma resposta institucional mais ágil e eficiente. A Polícia Militar, essa instituição bicentenária e tão relevante para o país, é a maior prejudicada.
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