A sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da lei que autoriza a ozonioterapia como "procedimento de caráter complementar" em tratamentos de saúde tensionou mais uma vez no país as fronteiras entre a política e a ciência.
O Projeto de Lei (PL) 1.438/2022, aprovado em julho deste ano e sancionado agora por Lula, é um substitutivo ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 227/2017, do ex-senador Valdir Raupp (RO). Ou seja, uma mobilização política sobre questões de caráter científico que por seis anos tramitou no Congresso. Contudo, esse não seria o espaço adequado para a aprovação de tratamentos, técnicas médicas ou procedimentos terapêuticos. Sobretudos quando há tanta controvérsia.
O caso da ozonioterapia é emblemático de como o embasamento científico deve se sobrepor a qualquer outro interesse: diversas entidades médicas se opõem ao uso terapêutico para tratar doenças. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autoriza a técnica para procedimentos odontológicos e estéticos no país, mas afirma não haver “até o momento, nenhuma evidência científica significativa de que haja outras aplicações médicas para a utilização de tal substância nas modalidades de ozonioterapia aplicada em pacientes”.
O Conselho Federal de Medicina, em uma resolução de 2018, proibiu o uso do ozônio como terapia médica. Em caráter experimental, a aplicação da substâncias só pode ocorrer em estudos científicos. Margareth Dalcomo, pesquisadora da Fiocruz, em entrevista ao Jornal Nacional reforçou a falta de comprovação científica. "Nós consideramos não apenas que não tem nenhuma procedência do ponto de vista científico, nenhuma defesa do ponto de vista da aplicação médica, porque a ozonioterapia não é um procedimento placebo. Ela é um procedimento que pode ser muito nocivo às pessoas. As maiores instituições brasileiras não veem nenhuma defesa desse tipo de procedimento.”
O texto sancionado nesta semana determina que o tratamento só pode ser aplicado por meio de equipamento de produção de ozônio medicinal devidamente regularizado pela Anvisa. O que, na prática, é o que vai impedir, por enquanto, que a terapia se dissemine para finalidades diferentes da odontológica e da estética, já que os equipamentos regularizados no país atualmente são exclusivamente para esses fins.
Como se vê, a nova lei, em certo nível, cria insegurança jurídica e mais confunde do que esclarece. Justamente porque a aprovação no Congresso e a sanção presidencial ignoraram os alertas da comunidade científica.
É fato que a própria posição da ciência pode mudar, caso pesquisas e estudos mostrem que a ozonioterapia tem comprovadamente eficácia no tratamento de determinadas doenças. O conhecimento humano não é imutável. Mas, enquanto prevalecem as incertezas, a precaução é sempre o melhor remédio. Sem base científica, procedimentos experimentais são sinônimo de risco.
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