Desde o dia 30 de março, quando o Espírito Santo entrou na fase de transmissão comunitária do novo coronavírus, quando não era mais possível identificar a origem da contaminação, o Estado passou por uma série de medidas para frear a pandemia. Lojas e academias foram fechadas e reabertas; distribuidoras foram proibidas e reautorizadas a vender bebida alcoólica, igrejas tiveram o número de fiéis limitado e agora estão listadas entre atividades essenciais, praias desertas voltaram a lotar. Um aspecto que pouco mudou na rotina do capixaba foi a superlotação no transporte coletivo.
O governo estadual até lançou regras sanitárias e protocolos para evitar aglomeração nos ônibus e terminais, mas o saldo é insatisfatório. Reportagem da TV Gazeta flagrou passageiros em pé e sem máscaras de proteção em veículos que partiam do Terminal de Laranjeiras, na Serra, contrariando duas regras exigidas muito tardiamente pelo Executivo, apenas no início deste mês. Antes, havia apenas uma recomendação. A TV também registrou longas filas e nada de álcool em gel. Ou seja, as ações não foram suficientes.
Essa é a constatação de qualquer pessoa que precisa utilizar o transporte público na Grande Vitória e é também a conclusão do Ministério Público do Espírito Santo (MPES). O órgão cobra do governo um novo protocolo para circulação dos coletivos da Região Metropolitana, diante das dezenas de denúncias recebidas. O prazo venceu na semana passada, sem que o governo apresentasse suas definições. Em entrevista à TV, o secretário de Mobilidade, Fabio Damasceno, limitou-se a dizer que a pasta já cumpre uma série de protocolos e que projetos estão em estudo.
Damasceno é o mesmo que, em maio, causou revolta entre usuários do Sistema Transcol ao sugerir que, se um ônibus estivesse cheio, bastaria que o passageiro esperasse o próximo. Eximiu-se da obrigação e transferiu à população que não pode abrir mão do serviço a responsabilidade por se expor a uma situação de maior risco de contágio da Covid-19.
O próprio governo estadual sabe que o vírus pega carona nos coletivos. A quarta fase do inquérito sorológico concluída pela Sesa em junho apontou que quase 30% dos capixabas infectados pelo vírus passaram mais de 30 minutos dentro dos ônibus, onde quase nunca é possível respeitar a distância mínima recomendada pela OMS. O número deu peso estatístico ao que o bom senso já gritava. Semanas antes de ter esse dado em mãos, um aplicativo lançado pelo governo já havia reunido em apenas 15 dias mais de sete mil reclamações de usuários, a maioria sobre superlotação e falta de máscaras.
O MPES cobra algo que deveria partir espontaneamente do Executivo. O governo do Estado tem acertado em muitas das frentes de batalha, com ações enérgicas e bom timing, mas é inegável que escorregou na adoção de medidas eficazes para prevenir o contágio pelo Sars-Cov-2 no transporte público. A gestão escuda-se no discurso de que já estabeleceu regras, mas parece ignorar que as existentes não vêm sendo cumpridas e há outras por criar.
A Ceturb informa que o Transcol circula com 100% da frota nos horários de pico na Grande Vitória. Era pouco antes da pandemia e continua a ser agora, quando aglomeração não é só desconfortável, como mortal. Ao contrário do novo coronavírus, o descaso com o transporte coletivo não é um mal passageiros. O Terminal de Itaparica, em Vila Velha, por exemplo, está fechado há dois anos após erros no planejamento e na execução da obra. E, caso o número de veículos em circulação fosse defensável durante a quarentena, deixa de ser com a retomada progressiva das atividades econômicas.
A rota mais segura é conhecida. É preciso aumentar a frota, limitar o número de passageiros por veículo, reforçar medidas de higiene nos ônibus e nos terminais e exigir o uso de máscaras. Por algumas delas, os passageiros são corresponsáveis, mas em última instância cabe ao poder público a condução da crise. Gestão e fiscalização vão definir o destino coletivo.
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