O negacionismo do governo federal com a pandemia do novo coronavírus é o mesmo visto agora com o Pantanal. Com recorde de queimadas no bioma, o presidente Jair Bolsonaro disse nesta semana que o “Brasil está de parabéns” pela forma como preserva seu meio ambiente. A declaração foi dada um dia após dados do Inpe apontarem que a região teve seu pior setembro em 13 anos de monitoramento. E o mês nem acabou.
Os números são estarrecedores. De janeiro até agora, já são mais de 2,9 milhões de hectares atingidos pelo fogo no Pantanal, uma destruição que equivale a 63% de todo o território do Espírito Santo ou 311 vezes a área da Capital, Vitória. Amazônia e cerrado também ardem em chamas, mas instituições científicas ainda lutam para provar o óbvio às autoridades: que o fogo existe. É uma mudança radical de postura. De líder mundial nas negociações por preservação, palco de importantes conferências como a Eco 92 e a Rio+20, o Brasil agora alinha-se a países que negam os impactos da ação humana nas mudanças climáticas.
Se a tragédia ecológica não é suficiente para um ajuste nos rumos do país, tampouco as ameaças de corte de investimentos internacionais parecem surtir efeito. Desde o ano passado, índices históricos de desmatamento e queimadas têm devastado não apenas o ecossistema, mas também a imagem do Brasil no exterior. E reputação arranhada, no mundo globalizado, significa perda de dinheiro.
A mais recente pressão veio da França. O país, que já era reticente, manifestou-se ontem formalmente contra o acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul. A gestão de Emmanuel Macron engrossa o coro dos descontentes, que colocam em risco a economia nacional. Ainda nesta semana, carta-aberta de oito países europeus, enderaçada ao vice-presidente Mourão, fez duras críticas à política ambiental brasileira, a exemplo de movimento realizado em junho, quando fundos globais que administram cerca de R$ 20 trilhões em ativos já haviam cobrado soluções do governo, ao manifestaram elevação dos riscos operacionais e regulatórios nos negócios com o Brasil.
Até o momento, Planalto parece mais preocupado em criar uma cortina de fumaça do que realmente combater o fogo. Sem mea-culpa alguma, o esforço é o de apontar bodes expiatórios. Um “opositor do governo” é que divulga dados negativos, alegou Mourão, sem saber que informações do Inpe são públicas e verificadas por entidades independentes. É “índio que taca fogo”, disse Bolsonaro, ignorando operação da própria PF que indicou queima deliberada de mata nativa para criação de pasto por fazendeiros do Pantanal. ONGs são outro alvo preferencial do Executivo.
O Brasil colhe o que planta. Levantamento da BBC News Brasil apontou que o Ibama reduziu quase à metade o ritmo das fiscalizações em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Já estudo do Observatório do Clima concluiu que o Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% do dinheiro destinado a programas de preservação.
O meio ambiente já paga o preço pela leniência e negligência das administrações estaduais e federais. Caso não reverta a imagem negativa com ações concretas, o agronegócio sustentável será a próxima vítima. A produção rural foi uma das âncoras do PIB brasileiro, segurando um tombo maior da economia. Na contramão da crise, teve safra e rendimentos recordes. Se o país for retirado do balcão de negócios internacional, o prejuízo é incalculável, especialmente neste cenário de fragilidades. O Brasil tem sérios incêndios para debelar, tanto os reais quanto os diplomáticos.
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