O Estado brasileiro segue em crise financeira, o que exige austeridade e foco nas emergências para garantir sua própria sustentação. A manutenção do enfrentamento da pandemia, o combate ao desemprego e à pobreza crescente, o incentivo aos investimentos... a lista é longa. Nesse cenário, quando o presidente da nação faz uma promessa de reajuste a uma única categoria, ele deve ter a consciência de que está acendendo um rastilho de pólvora que pode colocar tudo a perder.
Jair Bolsonaro brincou com fogo em um momento no qual deveria agir como um bombeiro. No relatório final do Orçamento, aprovado no Congresso em dezembro, houve a previsão de R$ 1,7 bilhão para aumento de remuneração do funcionalismo, com Bolsonaro de antemão prometendo atender exclusivamente a Polícia Federal (PF), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Uma jogada política perigosa, sob o risco de inflamar as forças policiais nos Estados e municípios, trazendo dor de cabeça aos executivos dessas esferas.
Mas a reação imediata foi a do restante do funcionalismo federal, nominalmente de fora da generosidade presidencial. Já pipocaram manifestações na última semana e há a ameaça de novas paralisações até fevereiro, independentemente de um possível recuo do presidente quanto aos policiais. A sanção do Orçamento 2022 deve ser publicada no Diário Oficial desta segunda-feira (24).
Mais injusta do que a escolha de uma categoria para ser beneficiada dentro do universo dos servidores federais é dar aumentos durante uma crise que assola assalariados da iniciativa privada e informais, sem falar nos cerca de 13 milhões de desempregados. É sempre válido repetir que o funcionalismo público, sobretudo quando se inclui as três esferas, é heterogêneo. Na ponta, executando os serviços essenciais como os de saúde e educação, estão aqueles com salários mais baixos.
Mas é uma elite, com vencimentos elevados, penduricalhos e estabilidade, que faz a pressão. Os encastelados, incapazes de enxergar os próprios privilégios. Com remuneração final muito acima dos vencimentos oficiais, turbinada por bonificações, benefícios e indenizações, acabam ultrapassando o teto do funcionalismo. Os supersalários são uma ofensa para cada brasileiro que paga seus impostos.
No Espírito Santo, a colunista Letícia Gonçalves reportou na última semana que o pagamento de licença-prêmio a procuradores no ES custou R$ 1,2 milhão aos cofres. Uma procuradora da República recebeu R$ 371 mil de uma vez só. No âmbito estadual, mais precisamente no Judiciário, o pagamento de indenizações por férias não gozadas fez os salários de juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) ultrapassarem R$ 200 mil brutos.
Um levantamento do Estadão mostra que os principais artífices das reivindicações atuais no nível federal estão no topo da lista das 22 carreiras mais bem remuneradas do Executivo federal, com salário médio entre R$ 26,2 mil e R$ 29,3 mil, de acordo com dados do Ministério da Economia: auditores fiscais da Receita Federal e do Trabalho, peritos criminais federais, delegados da Polícia Federal (PF), advogados da União e analistas do Banco Central (BC). É a elite do funcionalismo federal trabalhando em prol dos próprios privilégios. Nenhuma novidade neste país chamado Brasil.
É um despropósito fazer pressão por aumento salarial com o país em crise, sobretudo quando se trata de um grupo privilegiado de servidores que ganha bem mais que a média dos trabalhadores e tem os salários pagos pela própria população brasileira. A parte da elite do funcionalismo, que parece alheia à situação do país e dos demais trabalhadores, precisa parar de olhar para o próprio umbigo.
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