PEC Kamikaze coloca o desespero eleitoral à frente do desespero dos pobres

Ninguém em sã consciência das atuais mazelas sociais do Brasil nega que a população está sofrendo, mas brecha fiscal aprovada pelo Senado quase por unanimidade é populismo que coloca ainda mais em risco os mais pobres

Publicado em 04/07/2022 às 02h01
Atualizado em 04/07/2022 às 16h21
App do Auxílio Brasil
Aplicativo do Auxilio Brasil. Crédito: Ricardo Medeiros

Correção

4 de julho de 2022 às 16:21

Versão anterior deste editorial trazia erro sobre o índice de inflação no primeiro parágrafo. O texto foi corrigido.

fome e a miséria no Brasil dispararam desde que o amortecimento do auxílio emergencial da pandemia chegou ao fim, o que era previsível. A inflação atingiu os dois dígitos no ano passado, trazendo restrições e sufoco para muitas famílias. A Guerra da Ucrânia teve início em fevereiro, provocando aumento global no preço de combustíveis.

Mas é só a três meses das eleições que o governo federal decide agir, o que deixa óbvio aquilo que deveria ser motivo de constrangimento: os objetivos populistas de se promover aumentos em benefícios em pleno ano eleitoral.

Nem mesmo a oposição no Senado ousou se posicionar de forma contrária, temendo os prejuízos eleitorais. Em ano de pleito é assim, não é de hoje: quem quer se reeleger tem medo do julgamento popular. Assim, a PEC Kamikaze foi aprovada em tom quase uníssono, não fosse por uma única voz dissonante: a do senador José Serra (PSDB-SP), o único parlamentar a enxergar o acinte que é reconhecer o estado de emergência simplesmente como respaldo legal para a criação de benefícios em ano de eleição. A bancada capixaba engrossou o coro da maioria, com os três senadores do Espírito Santo votando a favor da proposta.

Caso esse cheque em branco seja confirmado pela Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro está autorizado a criar o "Pix caminhoneiro" de R$ 1.000 por mês até dezembro e um auxílio para taxistas, além de aumentar de R$ 400 para R$ 600 o Auxílio Brasil (zerando a fila para o benefício) e dobrar o valor do Auxílio Gás. Tudo isso a um custo que pode chegar a R$ 41,2 bilhões aos cofres públicos. O teto de gastos será história.

O governo se escondeu demais atrás de sua própria ineficiência e agora teme o impacto dessa percepção nas urnas. De acordo com a pesquisa Datafolha, 68% dos entrevistados atribuem a Bolsonaro a responsabilidade pela subida dos preços dos combustíveis. Portanto, precisa mostrar serviço, e nada mais conveniente do que distribuir bondades às vésperas das eleições presidenciais.  Caso não consiga, terá sempre a justificativa de que foi impedido de fazer isso. Construção de narrativa.

A aprovação dessa PEC absurda e extemporânea é a coroação de um governo incapaz de tomar decisões na hora certa, com planejamento. Um governo que acende o pavio de uma bomba fiscal que estará no colo de quem assumir o Planalto em 2023, um prejuízo econômico e social para além de outubro de 2022. Pior: o governo está implodindo todo o arcabouço jurídico, como a lei orçamentária e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que ajudou a construir a credibilidade do Estado brasileiro. E a Constituição a todo momento é remendada.

Falta coragem para fazer o que é certo, na construção de um Estado eficiente que consiga cuidar de sua população de forma mais adequada. O problema é que os que estão no poder só enxergam os votos, não os cidadãos e seus anseios. A PEC Kamikaze coloca o desespero eleitoral à frente do desespero dos mais pobres. 

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