O mundo não está adoecendo somente de Covid-19. Um dos efeitos colaterais mais graves, que vem esgarçando o tecido social não só no Brasil, é o acirramento das divergências sobre como enfrentar esta crise inédita, com um demasiado apego à ideologia. Quase tudo o que remete a ações para aplacar a pandemia é passível de uma politização violenta, como se não houvesse um inimigo comum a ser abatido, que não escolhe direita, esquerda ou centro. Os meios acabam sendo mais importantes que os fins, colocando obstáculos cada vez maiores para a racionalidade tão necessária neste momento.
O que mais há é incerteza. E, diante dela, a palavra mais importante é a prevenção. O isolamento social se encaixa nessa premissa e só está no topo da escala de prioridades porque não há ainda outra forma mais eficaz e comprovada de evitar o contágio. Não há (ainda) uma vacina que possa garantir uma cobertura segura da população. A restrição dos contatos sociais é uma medida de proteção, para evitar que as pessoas adoeçam ao mesmo tempo e sobrecarreguem o sistema hospitalar. Não há teorias conspiratórias, é lógica pura e simples.
Não há ninguém, em sã consciência, que não encare os efeitos trágicos para a economia. O sofrimento dos mais pobres não está esquecido. E é por essa razão que o Estado, em situações de calamidade como a atual, deve-se apresentar como o provedor. O auxílio emergencial de R$ 600 está sendo administrado para dar conta de quem estará desassistido com a paralisação da atividade econômica. É quase um consenso entre quem tem projetos bem embasados de sociedade, dos mais liberais aos estatistas. Os paliativos não resolvem o problema, mas diante da possibilidade de uma avalanche de mortes, é o que está ao alcance de governos.
Portanto, é preciso parar de tratar as implicações na saúde e na economia como questões antagônicas. As medidas devem ser cada vez mais complementares, justamente porque o futuro da pandemia é incerto. Há muita gente comprometida em equalizar os impactos, em todo o mundo, é hora de confiar nas autoridades médicas e científicas.
Isso vale para o debate acalorado sobre a prescrição da cloroquina no Brasil. A ciência deve dar a última palavra, o que não significa descartar o seu uso. Não há nenhum especialista sério pregando que o medicamento não funciona, pelo contrário, os resultados promissores estão na ordem do dia. Mas ninguém pode ser irresponsável a ponto de colocar vidas em risco antes que seus benefícios sejam comprovados.
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É o que vem ressaltando reiteradamente o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus: a emergência é salvar vidas. Ele mesmo tem sido vítima da politização da crise, acusado por Donald Trump de colocar a entidade "centrada na China". O país asiático, com regime extremamente centralizado e fechado, não inspira total confiança da comunidade internacional, o que não impede que sirva de modelo especificamente na forma como tem enfrentado o novo coronavírus. Em democracias plenas, o mundo pode se inspirar na Alemanha. Um país que apostou na ciência e na técnica para conter o avanço em seu território, apostando também no isolamento social. A politização da pandemia só enfraquece a mobilização da sociedade, mantendo-a na inércia, enquanto o vírus não pede licença.
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