Cariacica vai construir uma praia na qual não haverá permissão para banhos até que a Baía de Vitória seja despoluída, o que, pelo menos no papel, só deve acontecer depois de 2030. O projeto da prefeitura em parceria com o governo do Estado, cuja ordem de serviço foi assinada na terça-feira (25), causou perplexidade entre os leitores, que se manifestaram nas redes sociais. "A prioridade deveria ser o tratamento da água", sugeriu o leitor Philippe Modolo no perfil de A Gazeta no Instagram. Na mesma linha, Samela Nascimento apontou o que deveria encabeçar a lista de ações no município: "Qual a necessidade? Sendo que tem várias áreas para investir. A educação está top, saúde excelente". No Facebook, também houve indignação, com a maioria dos 400 comentários na postagem questionando a obra. "Isso é vontade de jogar dinheiro público no ralo, totalmente desnecessário", reclamou a leitora Marlete Correia.
Trata-se, antes de tudo, de falta de timing. É mais do que óbvio que obras de urbanização dessa natureza são importantes, sobretudo em regiões carentes de áreas de lazer. Os moradores das proximidades se beneficiam com a melhoria da qualidade de vida proporcionada pela ocupação organizada do espaço público.
Mas é preciso encarar que há urgências municipais que deveriam se priorizadas neste momento, sobretudo pelo valor elevado do investimento: R$ 33,8 milhões. Os moradores reclamam do caos no atendimento de saúde, sobretudo com a onda da Ômicron associada à epidemia de gripe, reclamam das deficiências na pavimentação de ruas do município, reivindicam obras de micro e macrodrenagem para evitar alagamentos. Obras e ações que, se realizadas, têm repercussão mais silenciosa.
Além, é evidente, da própria incoerência de se construir uma praia que vai demorar tantos anos a ter balneabilidade. A construção da praia em si, que deverá ter cerca de 1.100m de areia (de comprimento) com 12m (maré vazia) e 8m (maré cheia) de largura, estará na segunda etapa da obra, cuja previsão de entrega é de dois anos. O acesso de banhistas ao mar só será liberado com a despoluição da Baía de Vitória, que depende das obras de saneamento não somente em Cariacica, mas nos municípios que a margeiam.
No caso de Cariacica, a empresa Aegea Ambiental foi a vencedora do leilão para a parceria público-privada que tem a meta de universalizar o esgoto da cidade até 2030. Atualmente, o serviço ainda atende apenas pouco menos da metade da população. As obras de saneamento tiveram início no ano passado, e a empresa, no fim do ano, anunciou que nos bairros Campo Verde e Alto Lage elas entraram na reta final. Mas a construção da rede coletora dependerá da adesão de moradores para que os dejetos deixem de ser lançados na rede fluvial que, inevitavelmente, acaba desaguando onde a praia será construída.
Espera-se mesmo que, com os avanços sanitários proporcionados pelos agentes privados e públicos, a Baía de Vitória se transforme em poucos anos em um ambiente balneável. São necessários acompanhamento e cobrança, para que cronogramas otimistas não se transformem em promessas que se arrastem a ponto de virarem folclore. Pela lógica, a construção de uma praia artificial deveria ocorrer quando já houvesse essa garantia, com um debate público prévio sobre a sua necessidade.
Até lá, poderiam ser priorizados investimentos mais urgentes e com impactos mais efetivos nas necessidades da população. Sem contar que chamar de praia um lugar sem previsão, nas palavras do próprio prefeito, de permitir o acesso de banhistas soa como uma piada da qual nenhum cidadão, pagador de impostos, consegue rir.
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