Jair Bolsonaro nunca respeitou qualquer regra sanitária apontada por autoridades médicas como condicionante para frear a pandemia do novo coronavírus. Nos últimos quatro meses, socializou em manifestações, tirou selfies com apoiadores, saiu para comer cachorro-quente sem máscara, causou suas próprias aglomerações. Agora, quando o Brasil contabiliza mais de 65 mil mortos pela Covid-19, quer transformar sua irresponsabilidade em lei geral.
O presidente sancionou na última quinta-feira (2), com uma série de vetos, a legislação que disciplina o uso de máscara facial em espaços públicos em todo o território nacional. Pela canetada de Bolsonaro, ficaram liberados de exigir o equipamento órgãos públicos, comércios, indústrias, igrejas e escolas. O poder público também não terá mais que fornecer o material à população vulnerável, retirando de uma grande parcela da população a chance de acesso a uma tecnologia barata e vital para salvar vidas.
Como se não fosse despautério suficiente, na segunda-feira (6) o chefe do Executivo ainda derrubou outros trechos da Lei 14.019. Desobrigou também as máscaras em presídios e dispensou estabelecimentos de fixar cartazes informativos sobre o uso da proteção.
Na alegação do Planalto, Estados e municípios podem elaborar normas suplementares. Desde que o STF reconheceu a autonomia dos entes federados para criar regras condizentes com suas particularidades para enfrentar a crise, no vácuo aberto pela inação do Executivo federal, Bolsonaro tem se escudado na falácia de que está impedido pela Corte de agir. Quando resolve atuar, é na contramão dos protocolos científicos.
Já está mais do que provado que máscaras diminuem a propagação do Sars-Cov-2. Defensor da retomada, Bolsonaro deveria dar ouvidos a estudo da Universidade de Cambridge publicado em junho. “Se o uso generalizado de máscaras pelo público for combinado com distanciamento físico e algum confinamento, poderá oferecer uma maneira aceitável de lidar com a pandemia e retomar a atividade econômica muito antes de haver uma vacina”, disse Richard Stutt, coautor da pesquisa, à BBC.
Nos últimos dias, quando imagens de bares lotados no Rio de Janeiro e em São Paulo viralizaram na internet, para consternação dos brasileiros que se sacrificam para seguir as medidas de isolamento social, a ciência trouxe alerta ainda mais estridente de que aglomerações não estão em um futuro próximo.
Mais de 200 especialistas de 32 países assinam uma carta aberta, em que afirmam que o vírus está disperso no ar e que o risco de transmissão é bem maior do que se imaginava - gotículas expelidas pela fala e respiração podem viajar dezenas de metros, bem mais do que os dois metros das recomendações de distanciamento usuais. Por isso, os cientistas conclamam os países a reforçar ações, como… a obrigação do uso de máscaras, que Bolsonaro agora derruba.
Mais uma vez, o tão falado sistema de freios e contrapesos da democracia será posto em movimento, já que os vetos do presidente voltam para apreciação do Congresso e, no Supremo, ações também questionam a decisão. O absurdo, portanto, não deve durar muito tempo. Ao esticar cada vez mais a corda, Bolsonaro não apenas afrouxa medidas sanitárias que nunca fez questão de cumprir. Tenta flexibilizar o próprio bom senso. É uma forma de governar no mínimo contraproducente, que gera insegurança onde deveria haver certezas. Muito ajuda quem não atrapalha.
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