
Ao revogar a lei que concedia mensalmente tíquete-alimentação de R$ 450 e auxílio-feira de R$ 50 aos seus 9 vereadores, a Câmara de Iconha, no Sul do Espírito Santo, diante da repercussão pública, reconheceu um erro. Algo que até merece aplauso nesses tempos em que os privilégios expostos no noticiário não causam mais vergonha, tampouco provocam recuos de decisões. Aprovar aumento de remuneração e benefícios sem se preocupar com a opinião pública é o novo normal. Mas isso precisa mudar.
Isso porque a distribuição de privilégios àqueles que são remunerados com dinheiro público não deveria nem sequer existir, pelo menos não como regra. Ora, pode até parecer pouco um tíquete de R$ 450 diante de tantos auxílios exorbitantes oferecidos às castas mais altas do setor público, sobretudo o Judiciário, o Ministério Público e o Executivo Federal. Mas é uma questão de proporcionalidade: a Câmara de Iconha tem duas sessões por mês, e o salário dos vereadores é de 6.643,38. É sim uma verba extra que não faz sentido.
Na escala dos rendimentos mensais do setor público brasileiro, o Legislativo municipal fica em penúltimo lugar, com R$ 3,6 mil, só perdendo para o Executivo municipal, com R$ 2,8 mil. Do outro lado, no pódio com os maiores rendimentos mensais, estão o Judiciário Federal (R$ 19,3 mil), o Judiciário Estadual (R$ 10,9 mil) e o Executivo Federal (R$ 9,4 mil). O levantamento, com dados de 2019, é de Bruno Carazza, economista e professor da Fundação Dom Cabral.
O problema é que a cultura dos penduricalhos, que fazem os salários da elite do funcionalismo furarem o teto, que é o salário dos ministros do Supremo ( R$ 46,3 mil por mês), se solidificou no país. E mesmo quem está bem abaixo desse limite não perde tempo, se beneficiando de verbas específicas que servem para inflar os salários. E assim fica impossível conter a bola de neve dos gastos públicos com pessoal.
A esperada mobilização deve ter foco nos supersalários, é claro. Há propostas no Congresso para limitá-los. São esses valores, turbinados e fora da realidade, os mais aviltantes para uma parte considerável da população que luta para passar um mês com um salário mínimo. Isso pode ajudar a frear os impulsos dos gastos com benefícios nos níveis municipais e estaduais, provocando uma moralização em cadeia. O que só vai fazer bem para o país e suas instituições.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, falou nesta semana que a remuneração do Judiciário é um "quadro de verdadeira desorderm". "A toda hora os jornais estampam novos penduricalhos e gratificações. É preciso que se estabeleçam regras e normas para isso." Os supersalários não são um privilégio exclusivo do Judiciário, mas eles representam bem esse risco de corrosão institucional. O Estado brasileiro precisa ser um exemplo na promoção de justiça social, mas atualmente tem os seus preferidos. Acabar com os privilégios é fechar esse clube.
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