Diferentemente das mortes ocorridas nas catástrofes, decorrentes de doenças crônicas ou endêmicas e resultantes da violência, as perdas para a Covid-19 têm uma peculiaridade substancial. Principalmente onde a pandemia segue descontrolada, com o Brasil numa posição emblemática, as mortes têm um ritmo contínuo que permite antecipações dolorosas. Já era possível prever havia alguns dias que o país atingiria as cem mil mortes neste fim de semana. Um número significativo demais para passar incólume, mas que chega em um momento de certa anestesia coletiva. Não é por menos.
O país vem registrando mais de mil mortes diárias em média há aproximadamente dois meses. É tempo demais tendo que lidar com números assustadores, ao mesmo tempo que a vida precisa de alguma forma seguir em frente. A doença do desemprego tampouco interrompe seu contágio, impondo impasses até então inexistentes.
O IBGE divulgou na última semana que a taxa de desemprego no país é de 13,3%, percentual que leva em consideração apenas os entrevistados que afirmaram ter passado mais de uma hora em busca de um trabalho. Consequência do isolamento social, que fez crescer os desalentados circunstanciais. Para especialistas, a taxa de desemprego real já seria de 21,5%, nesse contexto. A vida acontece dentro do possível.
Não é mais preciso reforçar que a Covid-19 é mais que uma gripezinha ou um resfriadinho, manter-se com esta miopia é pura falha de caráter. Uma reportagem do portal Terra comparou o número com as perdas para outras doenças, virais e sem vacinas, que castigam a saúde pública nacional.
O HIV e as doenças associadas à Aids levaram nove anos para alcançar a mortalidade que a Covid-19 atingiu em pouco mais de 5 meses. A dengue matou 6.984 pessoas em 23 anos. Os números do DataSUS comprovam a relevância do atual patamar das perdas no Brasil.
Neste início de agosto, o mundo relembra as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, que completaram 75 anos. Os bombardeios atômicos provocaram 200 mil mortes nas duas cidades japonesas, imediatas ou por consequências da radiação. É possível ter a dimensão do que vive o Brasil: sem meias palavras, uma hecatombe.
Ao se atingir as cem mil mortes, olhar para trás deve ser uma ação mais pedagógica do que revanchista. Não há como mudar o que está posto pela negligência, com o lamento de que tantos brasileiros tenham sido obrigados a viver este luto em 2020. Não só esta batalha continua, como é preciso entender que o novo coronavírus não deve ser o último a assolar a humanidade, e espera-se mais sabedoria governamental e social quando algo assim voltar a acontecer.
Primeiramente, que se aprenda a necessidade de uma liderança capaz de unir o país em torno do interesse comum, de defesa da vida. Não somente para a mobilização de uma quarentena de fato efetiva que, assim, dure menos tempo, como na formulação de medidas econômicas para amparar os mais necessitados, sem tantos atropelos. O Brasil, como sociedade, deve abandonar a forma improvisada como encara suas tragédias e se tornar mais contingencial, preparado para o inesperado.
Também será imprescindível a confiança na ciência, para evitar desatinos gerenciais. O que só é possível com educação de qualidade, desde os primeiros anos escolares. Uma boa base educacional é capaz até mesmo de guiar a tomada de decisões do cidadão diante de uma calamidade como a Covid-19, a bagagem que permite uma melhor compreensão do problema, das atitudes pessoais a serem tomadas e das cobranças a serem feitas a quem governa e legisla.
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O aprendizado mais relevante é o de que um país dividido acaba sempre enfraquecido. O novo coronavírus não escolheu nenhuma de suas cem mil vítimas de acordo com suas preferências ideológicas, e mesmo assim o conflito se impôs e ainda se impõe, inutilmente. Perdeu-se tempo demais com disputas políticas de baixa qualidade, faltou cooperação, faltou gestão. A pior crise sanitária do país é gerenciada por um Ministério da Saúde improvisado. Os cem mil mortos até agora, e os que lamentavelmente ainda virão, são mártires de uma omissão que não pode se repetir.
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