Quando a lei beneficia quem comete crimes no trânsito

Um motorista de 59 anos que dirigia sob efeito de álcool e atropelou uma aposentada de 67 anos só foi preso porque fugiu do local. Se ficasse, provavelmente seria beneficiado pelo artigo 301 do Código de Trânsito

Publicado em 05/12/2023 às 01h00
Bafômetro
Bafômetro. Crédito: Arquivo | TV Gazeta

Código de Trânsito Brasileiro — que desde sua criação, em 1997,  já passou por algumas atualizações, a mais recente em 2020 — ainda carrega algumas regras no mínimo paradoxais, que alimentam a sensação de impunidade. O artigo 301 é um desses casos, ao impedir a prisão em flagrante do motorista envolvido em acidente com vítimas,  quando há “pronto e integral” socorro. Também há a dispensa da fiança.

A justificativa para tanto é incentivar a prestação de socorro, sendo que essa omissão já provoca o aumento de pena de um terço até a metade, de acordo com a legislação de trânsito. A questão é que, mesmo com os esforços dos últimos 15 anos, quando passou a vigorar a Lei Seca, para reprimir o consumo de álcool associado à direção, um motorista embriagado que permanecer no local do crime (afinal, beber e dirigir é um crime) pode escapar da prisão em flagrante amparado pela lei. Mesmo que não tenha condições físicas nem mentais de prestar socorro.

Na noite de sábado (2), um motorista de 59 anos foi preso após atropelar uma aposentada de 67 anos em Cachoeiro de Itapemirim. Ela passou por cirurgia e foi  internada em estado grave. Como o condutor não permaneceu  no local, após um cerco policial ele foi encontrado em uma residência a cerca de 5 quilômetros de onde ocorreu o acidente.

Foi submetido ao teste de bafômetro, que constatou o consumo de álcool, e autuado por lesão corporal grave no trânsito decorrente de veículo conduzido por motorista com capacidade motora alterada.

Permanecer no local do acidente não é necessariamente prestar socorro à vítima, mas esse entendimento por si só teria permitido que ele escapasse do flagrante, caso não tivesse fugido.

Em 2020, o senador Fabiano Contarato propôs um projeto de lei (PL 3.995/2020) para garantir que quem bebe e dirige não se beneficie do artigo 301. "Quem bebe e dirige não é preso em flagrante pelo simples ato de não fugir, uma verdadeira distorção da legislação que merece reparo", disse na ocasião. O PL segue em tramitação, é importante que o Congresso se debruce sobre o tema para acabar com essa distorção.

Uma evolução que veio com a alteração do Código de Trânsito em 2020 foi o impedimento, em casos de lesão corporal e homicídio causados por motorista embriagado, da substituição da pena de reclusão por penas mais brandas, de restrição de direitos.  É possível, portanto, aprimorar a legislação para combater a impunidade.

No caso do motorista de Cachoeiro, apesar da prisão em flagrante, a justiça acabou sendo branda de qualquer forma: após ser levado para o Centro de Detenção Provisória de Cachoeiro de Itapemirim, uma audiência de custódia permitiu sua soltura mediante fiança de R$ 3 mil. Um caso que acabou beneficiando um motorista que bebeu, dirigiu, atropelou, fugiu... enquanto uma idosa permanece em um leito de hospital, em estado grave.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Código de Trânsito trânsito Bafômetro Bebida Alcoólica

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.