Na dança das estatísticas criminais, os refluxos nos números de homicídios devem ser comemorados em um primeiro momento e imediatamente depois colocados em perspectiva, para se estabelecer a causalidade dos êxitos. O mês de fevereiro no Espírito Santo foi um respiro após o sufoco de janeiro, e as razões dessa queda devem estar no radar das autoridades de segurança pública, para que possíveis estratégias com resultado comprovado sirvam de norte para o combate à criminalidade, que passou a agir dentro de novas dinâmicas nos últimos anos.
A queda no número de homicídios em fevereiro foi expressiva, quando os dados são comparados com o mesmo período do ano passado. Em 2021, foram registradas 82 ocorrências (média aproximada de 3 por dia, ainda absurda) contra 109 do mesmo mês no ano passado, o que representa uma redução de 24,77%. Isso subsequente a um janeiro sangrento, com 108 assassinatos, um aumento de 14,7% em relação ao mesmo mês de 2020.
Para se ter uma ideia de como a dança dos números muda de compasso, o Estado havia registrado até o dia 23 de fevereiro um total de 181 homicídios contra 174 no mesmo período do ano passado. A tendência, portanto, era de que o primeiro bimestre de 2021 fechasse em desvantagem. No fim do mês de fevereiro, houve a virada: com os dados consolidados dos dois primeiros meses do ano, foram 193 mortes em 2021, enquanto no ano passado o número chegou a 204. Uma queda de 5,3%
Essa queda de fevereiro deve ser encarada da mesma forma que as sucessivas reduções nos índices de homicídio no Espírito Santo na última década: com parcimônia e trabalho contínuo. Já está mais do que comprovado que as políticas de Estado fizeram a diferença para tirar o Espírito Santo do fundo do poço no qual se encontrava nos anos 90 e na primeira década deste século. Mas, assim como o mundo não é o mesmo de dez anos atrás, as estruturas organizacionais do crime se transformaram e só serão desbaratadas com estratégia. Informação é a arma mais preciosa nesse combate.
O perfil dos assassinatos, divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, apontam o tamanho do desafio da prevenção, mas também mostram que a redução sistêmica de mortes violentas não é intransponível. Dentro do recorte dos crimes ocorridos entre 1º de janeiro e 23 de fevereiro, 74% das mortes tiveram características de execução, apontando para a guerrilha urbana entre facções criminosas, o que demanda uma presença cada vez mais qualificada do Estado nos bairros dominados por esses grupos. Por outro lado, cerca de 20% são definidos como crime de proximidade, praticados por pessoas com algum relacionamento com a vítima, normalmente fazendo uso de armas que estão à mão, como facas e facões. É quase um problema social de nível estrutural, que exige um exercício de cidadania que só a educação e as oportunidades são capazes de proporcionar. E o papel do Estado também é imprescindível.
O enfrentamento da violência deve seguir diretrizes já colocadas em prática pela atual gestão da Segurança Pública, com operações sistemáticas para aprisionar lideranças e homicidas, com o aprimoramento contínuo dos recursos de inteligência. Bairros inteiros não podem permanecer sob a égide de bandidos, que ditam normas de conduta, o que exige força estratégica de reação, sempre respeitando e preservando a vida dos moradores dessas localidades, vítimas da criminalidade. As abordagens devem ser cirúrgicas.
Espera-se que o mês de fevereiro menos violento antecipe uma tendência que se confirme ao longo de 2021, o que só será possível com a atuação policial cada vez mais ajustada à nova realidade do crime, com atenção até mesmo ao contexto pandêmico. O Espírito Santo, com tantos avanços econômicos, políticos e sociais registrados nas últimas décadas, merece consolidar o êxito também no combate à violência. Que 2021 prove que 2020 foi um ano fora da curva.
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