Razão e sensibilidade para a gestão do gasto público brasileiro

Equilíbrio fiscal saudável se alcança com gerenciamento eficiente, no qual a racionalidade do gasto se sintonize com as necessidades da população, sem oportunismo e populismo

Publicado em 12/07/2022 às 02h00
Dinheiro
Pessoa tirando dinheiro da carteira. Crédito: Shutterstock

Em sua coluna desta segunda-feira (11), Abdo Filho trouxe uma reflexão do ex-secretário da Fazenda de Vitória Alberto Borges sobre a boa situação fiscal do país, com enfoque nos municípios capixabas que, em 2021, tiveram em média um avanço de 4,8% nas receitas e um recuo de 3,4% nas despesas.

Sem contestar o fato de que foi um ano fiscal positivo para os municípios, é preciso reforçar que a base de comparação com 2020, um ano fora da curva, teve um peso no resultado. Em 2021, o otimismo voltou com a retomada das atividades econômicas e sociais promovida, sobretudo, com o avanço da vacinação. Mas o ponto do especialista em contas públicas é outro, um olhar para a fragilidade dos bons resultados diante das movimentações que colocam o equilíbrio fiscal em risco. Neste exato momento.

"Por motivações diversas e em todo o país, tomando decisões em cima de eventos extraordinários que não se repetirão. É um falso positivo o que temos hoje. O gestor responsável tem que colocar uma data para isso acabar, caso contrário, teremos problemas graves logo ali na frente", alertou Borges, um dos responsáveis pelo Anuário Finanças dos Municípios Capixabas.

A conjuntura explica: o aumento do valor da energia e dos combustíveis desde o ano passado ajudou a turbinar as receitas. Os cofres públicos também se beneficiaram do imposto inflacionário no mesmo período, com o aumento de preços contribuindo para o aumento da arrecadação. Há, portanto, certa artificialidade. E vale lembrar que a pandemia bloqueou a possibilidade de reajustes para o funcionalismo, que volta a pressionar os governos em todas as esferas.

E não só isso: os municípios capixabas devem deixar de arrecadar R$ 265 milhões em receitas não mais repassadas pelo governo do Estado até o final do ano, com a nova alíquota do ICMS. Vitória, Serra e Cariacica são as cidades que mais perderão recursos, conforme cálculo feito com base no Índice de Participação dos Municípios (IPM) para este ano. Um impacto indiscutível na capacidade de investimento.

Entre os eventos extraordinários deste ano, em nível federal, estão também os gastos extras com o Auxílio Brasil a serem destravados com a PEC Kamikaze e seu estado de emergência eleitoreiro a reboque. Uma situação que coloca o país em uma encruzilhada moral: a urgência do combate à pobreza crescente e a necessidade de manter sua saúde financeira. 

O descontrole fiscal é o motor do desemprego e da fuga de investimentos, não constrói a confiança. O Brasil, nos últimos 25 anos, conseguiu criar políticas de racionalidade no uso do dinheiro público que foram importantes para dar início à modernização do Estado.  Mas os anos 2010 testemunharam o desmantelamento desse arcabouço. A reforma da Previdência, iniciada no governo Temer e aprovada no governo Bolsonaro, foi uma importante reação, mas paramos por aí. O Estado brasileiro segue aguardando uma reforma administrativa robusta.

A racionalidade, com legislação e metas bem estruturadas, é o principal tijolo na construção da consciência de que não se pode gastar mais do que se arrecada e que o gestor público deve ser o principal responsável por promover a disciplina fiscal. Se não cumprir as regras, sofrerá as devidas punições. 

Por outro lado, não se pode abrir mão da sensibilidade: a real noção do que é necessidade para a população. O gestor precisa saber equalizar a racionalidade no trato das contas públicas com as urgências da nação. Por isso, os privilégios e desperdícios devem ser tão combatidos, para garantir que o Estado seja eficiente no atendimento das demandas populares. E o povo, neste momento, tem fome ou sofre para garantir comida na mesa.

Entre razão e sensibilidade, é esse o lugar do bom gestor. O equilíbrio fiscal nada mais é do que o diálogo contínuo entre esses dois pontos. Sem populismo, sem oportunismo.

A Gazeta integra o

Saiba mais
dinheiro Contas Públicas Bomba Fiscal

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.