As despesas com pessoal no serviço público são o calo orçamentário dos Três Poderes. A necessidade de cortes para dar algum fôlego ou redirecionar recursos é inviabilizada, já que não há flexibilidade possível nesse ambiente no qual a estabilidade do funcionalismo é soberana.
Tome-se o Espírito Santo como amostra: dos gastos estaduais para a prestação de serviços públicos, 76% obrigatoriamente estão reservados para o pagamento de salários e demais encargos. O comprometimento com os gastos com pessoal é de R$ 10,5 bilhões.
A questão é ainda mais relevante neste momento em que o país precisa apontar caminhos para a retomada econômica após a pandemia, mesmo que não exista previsão sobre quando isso vá ocorrer.
A urgência de uma remodelação do Estado brasileiro é uma das principais bandeiras deste jornal, e a crise sanitária acabou reforçando o quanto a protelação de uma reforma pode ser danosa para o equilíbrio fiscal. As realocações orçamentárias, necessárias para suprir as necessidades mais urgentes da população no cenário de perda de emprego e redução de salários (sim, essa é a realidade de quem não vive no mundo encantado do serviço público), são uma importante ferramenta de gestão que fica impossibilitada por um poder público tão amarrado a regras administrativas arcaicas.
Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional a possibilidade da redução da jornada de trabalho e do salário de servidores públicos por Estados e municípios nos quais as despesas com pessoal ultrapassem o teto de 60% da receita corrente líquida. Uma medida prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas há 16 anos impossibilitada de ser aplicada por decisão liminar da Corte. A lei blinda os servidores do sacrifício imposto aos demais setores sociais, o que impõe a necessidade de reformas.
É fato a rigidez da despesa com pessoal, com área de manobra somente entre os comissionados, mas também seria possível a redução de despesas com uma infinidade de benefícios e auxílios que ajudam a engordar a remuneração, principalmente da elite do funcionalismo. Contudo, não se cogita retirá-los, em grande parte por uma noção enviesada de "direito adquirido". As benesses são cristalizadas no serviço público, mesmo em meio a uma crise sem precedentes.
Governos se sucedem no poder sem conseguir efetivar uma reforma administrativa de fôlego, que busque equalizar salários e acabar com privilégios. A própria estabilidade carece de justificativas mais fundamentadas: há cargos em que ela de fato é primordial, para que funcionários não fiquem ao sabor das mudanças de mandato, mas em tantos outros ela pode ser descartada impiedosamente, até mesmo para aumentar a eficiência, com avaliações de desempenho passando a integrar a rotina. O serviço público precisa fazer entregas com mais qualidade à população.
O governo federal perdeu o timing após a aprovação da reforma da Previdência. A remodelação do Estado chegou ao debate público no final do ano passado, mas não avançou. O ano legislativo de 2020 foi prontamente atropelado pela pandemia, e o próprio Jair Bolsolnaro já declarou que ela fica para 2021.
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O presidente teme o desgaste político com modificações tão significativas na estrutura do serviço público, mas precisará se engajar, assim como o Congresso. Sem musculatura, o Estado brasileiro não se manteria erguido nem mesmo se a pandemia nunca tivesse acontecido. A reforma administrativa é exercício imprescindível para fortalecê-lo.
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