Mulheres invariavelmente têm algum testemunho do constrangimento violento que é ter o corpo tocado por estranhos, sem permissão, no transporte coletivo, em festas e em outros ambientes. A sensação é quase sempre de impotência, diante do perigo que é reagir a esse tipo de investida. Uma violação pública, que ainda é marcada pelo silêncio.
Mas as mudanças do comportamento feminino dos últimos anos têm deixado mais evidente que essa invasão do espaço das mulheres é inadmissível. Exigir respeito e buscar amparo na lei está deixando de ser um tabu. E não adianta reclamar: elas estão visivelmente mais preparadas para gritar quando sofrerem qualquer tipo de importunação sexual.
Foi o que fez Jéssica Dias, a repórter da ESPN que levou um beijo no rosto de um torcedor do Flamengo durante uma transmissão ao vivo no pré-jogo da semifinal da Libertadores, no último dia 7. Marcelo Benevides Silva foi imediatamente detido em flagrante nas proximidades do Maracanã, no Rio, e embora tenha tido a prisão convertida em preventiva no dia seguinte durante audiência de custódia, o abuso cometido se transformou em um infortúnio: para continuar em liberdade, está proibido de sair do Estado do Rio de Janeiro sem autorização judicial; ter contato com vítimas e testemunhas, exceto se parentes, e ir a espetáculos esportivos em que o Flamengo participar, enquanto durar o processo.
A justiça está sendo feita e, espera-se, de forma célere. Com todos os ritos, dentro do devido processo legal, que garantam ao torcedor o direito de defesa. Contudo, é preciso celebrar de antemão que o comportamento flagrado pelas câmeras tenha provocado o imediato encaminhamento do homem às autoridades.
É o poder do exemplo: a visibilidade do caso é importante para inibir que outros homens ajam da mesma forma. A comemoração de uma vitória do time do coração não é motivo para invadir o espaço de uma mulher que exerce sua função de jornalista. De acordo com o depoimento de Jéssica Dias, ela já havia sido xingada pelo torcedor antes de entrar no ar.
Não, não é só um beijinho no rosto, como muitos justificam. É como revelou a pesquisa realizada pelo Ipec e pelo Instituto Patrícia Galvão: 45% das brasileiras já tiveram o corpo tocado sem consentimento em locais públicos. Enquanto isso, apenas 5% dos homens entrevistados admitiram a prática. Um paradoxo perfeitamente explicável: mostra que os representantes do gênero masculino ainda normalizam o contato físico sem permissão.
O limite do respeito entre os gêneros está nos limites do consentimento. Quando se ultrapassa essa fronteira, vira um caso a ser resolvido pela lei.
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