Após uma corrida presidencial marcada pelo discurso crítico à corrupção e à chamada velha política, movimento que catapultou Jair Bolsonaro ao Planalto em 2018, o ambiente nacional parecia ser o de uma faxina geral que livrasse o país de qualquer ato impróprio dos gestores do bem público. Não foi o que se viu. Na contramão daquele sentimento, movimentos em série têm deixado a impressão geral de retrocesso no combate à corrupção, como interferências políticas em órgãos de controle e o fim melancólico da Lava Jato.
Episódios recentes mostram a disposição do Congresso Nacional para avançar em pautas que afrouxam legislações vigentes, extinguindo ou abrandando punições. Foi o caso da PEC da Imunidade, que blindava parlamentares do eventual cometimento de crimes, e parece ser agora com propostas de alteração na Lei de Improbidade Administrativa. Novamente sob o comando de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e líder do Centrão, deputados têm buscado acelerar a votação do Projeto de Lei 10.887, que afrouxa as regras estabelecidas para coibir atos ilícitos. As mudanças são apoiadas por Bolsonaro, que afirma que a burocracia “engessa prefeito”.
A revisão de alguns pontos da Lei de Improbidade não é de todo má. É endossada inclusive por juristas, que entendem que é preciso pacificar questões que hoje levam a uma miríade de decisões judiciais nos tribunais no país e, ainda, para dar segurança aos gestores públicos. Mas muitas propostas aventadas na Câmara dos Deputados não são tão arrazoadas e levantam francas suspeitas de que podem descambar para o enfraquecimento de órgão de controle e o relaxamento de punições.
Um dos pontos em debate é a liberação do nepotismo, com a exclusão do artigo 11 da lei, que define como improbidade atos que violem “deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições”. Em todo o mundo democrático, a prática é consolidada como uma das brechas para a corrupção. Por aqui, mesmo vedada, não impediu que a família Bolsonaro, por exemplo, empregasse 102 pessoas com quem tinha laços familiares, de acordo com levantamento de O Globo. No ano passado, já no cargo de presidente, Jair Bolsonaro tentou emplacar o filho Eduardo como embaixador nos Estados Unidos.
Outra mudança prevista promete dificultar a punição de gestores públicos. Pela proposta, apenas seria possível a aplicação de sanções como perda de cargo e de direitos políticos em caso de dolo. Ou seja, investigações precisariam comprovar que houve intenção de cometer uma irregularidade. À guisa de exemplo, prefeitos que adquiriram respiradores superfaturados durante a pandemia, receberiam um perdão bíblico, simplesmente porque não sabiam o que faziam. O risco é cobrir com o manto da benevolência a ineficiência da gestão pública, que tantos danos causa ao erário e à população.
O Brasil que tanto avançou nas últimas décadas na promoção da higidez da administração pública, com a criação das leis Anticorrupção, da Ficha Limpa, das Estatais e de Acesso à Informação, parece agora retroceder. Neste episódio recente da revisão da Lei de Improbidade, o Congresso dá sinais de não só caminhar na contramão dos interesses da nação, como parece legislar em causa própria. Sete dos 24 integrantes da comissão criada na Câmara para discutir a revisão da legislação respondem a processos de improbidade e podem se beneficiar diretamente das alterações. Arthur Lira também é investigado.
Rever o arcabouço jurídico criado em 1992 pode ser bem-vindo, para modernizar parâmetros e processos. No entanto, o ritmo alucinante impresso à tramitação de uma PEC que trata de tema tão delicado sugere e as ameaças ao controle de atos ilícitos comprovam que este não parece ser o caso. Resta torcer para que tenha o mesmo fim da chamada PEC da Impunidade.
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