Sofrer violência doméstica, assédio sexual ou qualquer outro tipo de agressão, infelizmente, pode ser apenas o início de um calvário para meninas e mulheres. O longo caminho começa pela necessidade de superar dor, vergonha e revolta para ter coragem de denunciar o crime sofrido. Ao tomar essa decisão, é imprescindível que a vítima não encontre dificuldades na principal porta de entrada onde poderá relatar seu drama: as delegacias.
Para isso, entrou em vigor em abril do ano passado a lei 14.541, que estabelece o funcionamento 24 horas por dia, incluindo domingos e feriados, para as delegacias da mulher em todo o país. No Espírito Santo, para atender a nova legislação, foram inauguradas, em março deste ano, as primeiras “Salas Marias”, com atendimento 24 horas, em delegacias regionais da Região Metropolitana. Depois, a promessa é que sejam abertos espaços desse tipo em outras regiões do Estado.
Toda iniciativa para melhorar o atendimento e garantir o acolhimento às mulheres que sofrem violência doméstica é importante. Evita que os traumas das vítimas sejam potencializados. Porém, a Promotoria de Justiça da Defesa da Mulher de Vitória identificou problemas na implantação da Sala Marias na Delegacia Regional de Vitória. De acordo com relatório divulgado pela colunista Vilmara Fernandes, as vítimas até são recepcionadas, inicialmente, em um local acolhedor e exclusivo para elas. Só que, além de serem obrigadas a esperar horas pelo atendimento, ainda têm de passar pelo constrangimento de, posteriormente, serem ouvidas por delegado e escrivão na frente de várias pessoas – na maioria das vezes, homens – que estão na mesma delegacia para relatar outros crimes, como assaltos, roubo de carros etc.
A revitimização vivida pelas mulheres nesse atendimento é confirmada por depoimentos espontâneos feitos por leitoras em publicação sobre o assunto na página do Instagram de A Gazeta. Em um deles, uma vítima relata o constrangimento vivenciado.
Vítima
Depoimento na página do Instagram de A Gazeta
"Eu passei por essa humilhação que chamam de Sala Maria. Fui atendida por um homem, expondo meus problemas na frente de outras pessoas, ouvindo o problema de outra vítima que também estava lá"
Situações desse tipo vão de encontro ao que prevê a lei 14.541. Além do funcionamento ininterrupto das delegacias da mulher em todo o país, o dispositivo determina que o atendimento seja feita por policiais treinados, de preferência do sexo feminino, com “acolhimento das vítimas de maneira eficaz e humanitária”.
Em entrevista à TV Gazeta, o secretário de Estado da Segurança Pública, Eugênio Ricas, disse que as Salas Marias foram criadas como forma de descentralizar os atendimentos, para que as mulheres vítimas de violência possam ter acolhimento em delegacias mais próximas das cidades onde vivem. Ele ainda destaca o fato de as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (Deam) continuarem funcionando, em horário comercial. “Na nossa visão, a lei está plenamente atendida, porque temos atendimento para essa mulher durante 24h por dia, num ambiente acolhedor”, afirma o secretário.
Em Vitória, porém, o atendimento no Plantão Especializado da Mulher (PEM), que funcionava na Ilha de Santa Maria, foi encerrado no último dia 1º de abril. O que, na visão da promotora Sueli Lima, que visitou a Delegacia Regional de Vitória, contraria a nova lei. “Eu entendo que viola a lei que estabelece que, onde há Deam, que é o caso de Vitória, o atendimento deve ser ininterrupto. E não ter uma sala específica de espera em um plantão que atende tráfico de drogas, adolescente que comete ato infracional, todo gênero e tipo de delito”.
Eugênio Ricas atribui a situação em Vitória a uma reforma que está sendo realizada na Delegacia Regional. O prazo para a obra ficar pronta, no entanto, é dezembro. É preciso buscar alternativas para que, nesse período de seis meses, mulheres vítimas de violência não passem por agonia e constrangimento na hora de procurar atendimento policial na Capital.
Ampliação de atendimento em delegacias e criação de ambientes especiais, como as Salas Marias, são iniciativas bem-vindas para estimular as vítimas a denunciarem casos de agressões domésticas. Esses mecanismos são a porta de entrada para que mulheres rompam o ciclo de violência com o qual tanto sofrem e até impeçam que tal terror culmine em um feminicídio. Mas é primordial que tais locais sejam de fácil acesso. Capazes de oferecer acolhimento e qualidade de escuta, preferencialmente por atendentes femininas, de acordo com o previsto na lei. Não há espaço para retrocessos quando o que está em jogo são a dignidade e a vida das mulheres.
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