As suspeitas são tão assombrosas que a necessidade de investigar a fundo as denúncias de corrupção na aquisição de vacinas contra a Covid-19 pelo governo Bolsonaro une parlamentares capixabas das mais distintas matizes políticas. Deputados federais e senadores eleitos pelo Espírito Santo, tanto da base aliada, quanto da oposição, convergem em torno da urgência de uma apuração criteriosa e isenta, que puna os responsáveis por eventuais irregularidades ou dissipe a nuvem de suspeição.
A corrupção, em qualquer nível ou setor da administração pública, com o desvio de qualquer montante, é condenável e altamente deletéria ao bem-estar da população. Mas negociatas na compra de imunizantes, enquanto mais de 520 mil brasileiros morreram da doença e outros milhões lutam pela vida, é excepcionalmente nefasta. O poder público tem o dever, moral e constitucional, de não deixar pedra sobre pedra no escrutínio das denúncias, que se espalham por membros do alto escalão do governo, políticos e atravessadores.
E as engrenagens das instituições democráticas começaram a funcionar. Na manhã de sexta-feira (2), a PGR cumpriu seu papel constitucional ao pedir a abertura de inquérito contra o presidente Jair Bolsonaro por suposta prevaricação no caso da negociação da vacina Covaxin. A decisão dá seguimento à notícia-crime protocolada dias antes no STF pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Jorge Kajuru (Podemos-GO) e o capixaba Fabiano Contarato (Rede-ES).
As denúncias já levaram à queda do diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, e à suspensão do contrato para compra de 20 milhões de doses do imunizante indiano. O inquérito vai se debruçar sobre a conduta do presidente, que não teria encaminhado aos órgãos competentes as denúncias de ilegalidade assim que foi alertado, ainda em março. À época, teria pedido para investigar não a denúncia, mas os denunciantes.
As alegações são do deputado Luís Miranda (DEM-DF) e de seu irmão, Luís Ricardo Miranda, funcionário de carreira do Ministério da Saúde, que à CPI da Covid disse ter havido “pressão atípica” para fechar o contrato com a Covaxin, mesmo diante de inconsistências. A celeridade contrasta com a recusa insistente a um acordo com a Pfizer.
Os caminhos legais também não teriam sido tomados em outra negociação. O mesmo Roberto Dias, apontado como um dos membros da pasta da Saúde a aplicar uma estranha pressão para o fechamento do contrato com a Covaxin, seria também o pivô do suposto pedido de propina de um dólar sobre cada uma das 400 milhões de negociadas com a AstraZeneca, segundo relato do representante Luiz Paulo Dominguetti, que escandalizou o país. Diferentemente dos lotes de vacinas já formalizados, ambas as negociações incluem empresas intermediárias.
Há um elefante na sala do Ministério da Saúde. É inadmissível ignorar as graves denúncias, que incluem apadrinhamento político na compra de vacina, com suposta influência do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Infelizmente, somam-se a outros indícios de desmantelo no enfrentamento da crise sanitária. No mesmo dia em que vem à luz documento que mostra que a pasta optou por adquirir o mínimo possível de doses por meio do consórcio Covax Facility, o ex-ministro Eduardo Pazuello torna-se alvo de ação por improbidade administrativa. A seriedade da crise exige respostas à altura. Por isso qualquer suspeita de corrupção ou negligência, sejam quais foram os envolvidos, deve ser tratada com total desvelo. A vida dos brasileiros e a saúde da democracia estão em jogo.
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