A decolagem de um avião é sempre cercada de expectativas. Ver a máquina acelerar até atingir a velocidade em que deixa o solo e alcança os céus chama a atenção inclusive de quem não é apaixonado por aviação. Mas é um momento também que exige grande trabalho de equipe, desde o piloto da aeronave até as torres de comando. Do contrário, há risco de turbulências.
A analogia com o início de um voo vale para o momento atual do Brasil. Em 15 dias do período de transição, que pode ser tratado aqui como a “decolagem” para um futuro governo, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já vivencia as suas primeiras “turbulências” em uma área fundamental e delicada: a economia.
Ao criticar a “tal estabilidade fiscal”, como falou na última quinta-feira (10), sob o propósito de priorizar as políticas sociais, Lula trouxe instabilidade ao mercado financeiro. Resultado: o dólar subiu mais de 4% e a B3, Bolsa brasileira, caiu mais de 3% em um único dia. Foi puxado o freio na hora em que o avião precisava ganhar velocidade para sair do solo.
A “tal estabilidade fiscal”, que por sinal Lula seguiu nos seus dois mandatos anteriores, é também um mecanismo para proteger a camada mais pobre da população, principal foco das promessas de campanha do presidente eleito. A falta de responsabilidade fiscal e de controle dos gastos públicos provoca um efeito cascata na economia: o real se desvaloriza, a inflação fica sem controle, os juros sobem e, no fim, aumentam o desemprego e, por consequência, a fome. Ou seja, tira-se dinheiro de quem está mais precisando.
A situação fiscal do país é complicada demais para ser tratada com desdém. Estima-se um rombo de R$ 400 bilhões nas contas públicas para 2023, de acordo com cálculos do ex-ministro Henrique Meirelles e da XP. O atual governo fala em um valor menor, na casa dos R$ 150 bilhões.
Números assustadores que podem piorar com a proposta do futuro governo de mudar a regra do teto de gastos. A atual estabelece que as despesas do governo não podem superar o valor do ano anterior, incluindo aí o acréscimo da inflação. O que os economistas da equipe de transição negociam é um “waiver” — como é chamada a “licença para gastar” no mercado financeiro — de até 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o que daria em torno de R$ 100 bilhões. Valor que seria destinado para pagar programas sociais e projetos em meio ambiente.
Para isso, a principal aposta é na aprovação da chamada PEC da Transição, que visa a excluir do teto de gastos do próximo ano o Bolsa Família de R$ 600 — como deve ser chamado na gestão do PT o atual Auxílio Brasil —, cujo total é estimado em R$ 175 bilhões.
Caberá aos economistas que integram a equipe de transição a missão de fazer a adoção dessas medidas não afetar ainda mais o equilíbrio das contas públicas. Desafio que une quatro profissionais de perfis divergentes — ou “complementares”, como preferiu dizer o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, que coordena a equipe de transição.
No núcleo estão dois economistas de perfil liberal: André Lara Resende e Persio Arida, que participaram da elaboração do Plano Real. E há outros dois nomes que têm ligação histórica com governos petistas: Guilherme Mello, da Fundação Perseu Abramo, e Nelson Barbosa, que foi ministro da Fazenda no governo de Dilma Rousseff.
Com tantos nomes, de perfis que vão do centro liberal à esquerda heterodoxa, criam-se também no mercado dúvidas sobre qual caminho econômico seguirá o voo do futuro governo. O que aumenta as cobranças para que o presidente eleito aponte, desde já, quem será o ministro da Fazenda no governo que terá início em 1º de janeiro — daqui a exatos 45 dias.
Sem essa referência, as turbulências tendem a perdurar, em um voo que está apenas começando e precisará de um céu de brigadeiro para ser capaz de resolver problemas como inflação alta, juros elevados, desemprego e, claro, a insegurança alimentar das famílias mais pobres.
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