A violência tem se manifestado em suas mais diferentes formas, deixando uma sensação de desalento que tem feito muito mal à saúde social. Não bastasse ter que lidar diariamente com a escalada assustadora das mortes pela Covid-19 (somente nesta quarta-feira, 102 óbitos foram registrados no Espírito Santo), ainda é preciso encarar a criminalidade que não dá trégua, em níveis distintos, mas não menos aterradores. Do roubo patrimonial ao feminicídio, as diferentes escalas da violência se confundem e se tornam indistintas diante do medo e da insegurança. Tudo o que se deseja é paz, seja dentro de casa, seja nas ruas.
Um policial que é preso em flagrante por matar a própria mulher na frente da filha é um episódio que causa justa consternação, é inaceitável, mas se enfileira na lista da barbárie cotidiana do feminicídio. No mesmo feriadão, no qual o Estado celebrava a fé com a tradicional Festa da Penha, uma outra mulher em Nova Venécia foi morta a tiros, em um crime que ainda não poderia ser caracterizado como sendo de gênero, segundo a investigação.
A tipificação, em 2015, apertou o cerco aos agressores e potenciais feminicidas, mas a sensação de impunidade nesses casos parece ser prévia à própria consolidação do crime. Diante das ameaças, falta punição efetiva para impedir que mulheres em situação de vulnerabilidade sejam mortas.
Se a questão cultural, com o machismo impregnado nas relações sociais, é um desafio para políticas públicas que consigam frear a violência doméstica e de gênero, fora do âmbito pessoal os crimes contra o patrimônio causam a mesma apreensão. Tudo porque, diante de um roubo na rua ou da invasão de um domicílio, é justo temer que a situação fuja do controle e evolua para um latrocínio. Mais uma vez, é a perda da vida que aterroriza, mesmo que a subtração de bens também provoque justa indignação.
No final de semana, câmeras de segurança flagraram um roubo de veículo na Praia do Canto, em Vitória. Típico caso de crime de oportunidade: o motorista falava ao celular dentro do carro, estacionado, quando foi abordado por bandidos que já haviam passado por ali antes e visto que o homem se encontrava em situação vulnerável. O carro foi recuperado e os criminosos foram presos. A questão é: presos até quando? A legislação permanece branda, com audiências de custódia que liberam do encarceramento em muitos casos de crimes patrimoniais, com ou sem ameaça. Tudo para sanar o problema da superlotação de presídios. A Justiça vive em uma eterna encruzilhada.
E os casos recentes se somam: o feriado ainda registrou pai e dois filhos que foram baleados na Praia do Morro, em Guarapari, numa tentativa de latrocínio. A família tirava fotos no local, quando foi surpreendida por um homem armado, que exigiu que todos entregassem os pertences. O bandido reagiu quando um dos filhos, assustado, caiu no chão. O temor de qualquer pessoa diante de um assalto se concretizou, com um bandido descontrolado, sem nada a perder. E acabou preso.
Na semana passada, um policial teve a viatura, descaracterizada, atingida por mais de 15 tiros em Vitória. Saiu ileso. Na terça-feira (13), dois bandidos abriram fogo contra guarnição da PM que patrulhava o bairro Jaburu e adjacências, em Vitória. Os policiais revidaram e houve troca de tiros pelas ruas do bairro. Nem mesmo autoridades policiais conseguem se impor, enquanto a audácia da bandidagem só cresce. A sociedade, como uma massa organizada, regida pela lei e pela ordem, está em evidente desvantagem.
O enfrentamento organizado da criminalidade existe no Espírito Santo. Operações policiais para combater o tráfico de drogas, prisões, apreensões. Setores de inteligência atuantes. No nível federal, a Força Nacional de Segurança que foi enviada a Cariacica já começa a ser desmantelada, em um indício de que ainda se enxuga gelo no combate à violência. O poder público procura meios de se fazer presente, mas ainda não se encontrou com efetividade.
É temerária e cada vez mais assustadora a sucessão de crimes, sem tréguas. Como já foi dito anteriormente, crimes que se encontram em diferentes escalas, mas que são parte de um todo, resultado de certo adoecimento social. Decorrência das desigualdades crônicas, refletidas na educação precária e na falta de oportunidades, mas também de um endurecimento individual que não vê limites para a crueldade. Para onde se olha, a vida é cada vez menos valorizada. É assim, diante da decadência de valores humanistas e da impunidade, que a violência se fortalece e o crime compensa.
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