Há no mínimo duas constatações possíveis a partir da divulgação, pelo Tribunal de Contas da União, da listagem de candidatos nas eleições municipais que receberam o auxílio emergencial até julho de 2020. A primeira é que, por mais que sejam ainda somente indícios de alguma ilegalidade, diante da possibilidade de esses nomes terem renda incompatível com as regras do benefício, causa indignação que 275 pleiteantes a cargos de vereador e prefeito no Estado fiquem em estado de suspeição quando estão prestes a passar pelo crivo das urnas. A averiguação dos casos não é só necessária, é urgente.
O que se espera de qualquer candidato a cargo público é uma conduta ilibada, intimamente conectada com o princípio da moralidade na administração pública. Desde que o auxílio emergencial começou a ser distribuído em abril, não faltaram denúncias de fraudes. Não somente casos de má-fé dos próprios solicitantes, como o uso indevido de dados por terceiros para dar entrada no pedido do benefício. Desde o início, previu-se que a distribuição não passaria incólume aos golpes, o que por si só é lamentável em um país que já acumula tantos problemas.
O auxílio emergencial foi aprovado pelo Congresso e lançado pelo governo federal para mitigar o impacto da pandemia em uma parcela considerável de brasileiros (aproximadamente 65 milhões), em situação de vulnerabilidade pela perda de emprego e pela impossibilidade de trabalhar.
A mera suposição de que candidatos tenham se aproveitado de um momento tão delicado para embolsar R$ 600 mensais, à custa do crescimento do gasto público com um ação emergencial, prioritária e humanitária, já mancha de antemão qualquer parâmetro de idoneidade.
O que uma pessoa, comprovadamente com bens acima dos R$ 300 mil, que se apodera do dinheiro público será capaz de fazer quando tiver acesso oficialmente ao erário, no Executivo ou no Legislativo dos municípios? São candidatos assim que se submeterão ao patrimonialismo sem titubeios éticos, perpetuando o desrespeito no trato com a coisa pública.
A segunda constatação é justamente a respeito da situação que pode livrar os candidatos de qualquer acusação, nesse episódio. A lista do TCU foi possível com o cruzamento dos dados dos candidatos disponíveis no site do TSE e os dos beneficiários do auxílio que estão no Portal da Transparência. Portanto, foram os próprios candidatos que aparecem no documento que declararam ter bens acima de R$ 300 mil, o teto permitido pelas normas do auxílio. Há entre eles, inclusive, 43 candidatos com bens acima de R$ 1 milhão; milionários, portanto.
Já há registros noticiados de equívocos na declaração de bens ao TSE, com as devidas correções. E isso chama atenção também: como tantos candidatos, a vereador ou a prefeito, e isso não somente no Espírito Santo, parecem incapazes de fornecer dados acurados sobre a própria situação financeira? Há erros banais de preenchimento, não necessariamente para maquiar a realidade, e isso também é temerário. Afinal, o mínimo que se espera é que, eleitos, os candidatos tenham zelo por seus atos.
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O TCU ressaltou que cabe ao Ministério da Cidadania confirmar as irregularidades, e o TSE é o responsável por apurar possíveis crimes eleitorais. Em todo o Brasil, são 10.705 candidatos na lista de possíveis beneficiários indevidos. Se houve equívoco na declaração de bens, que corrijam o quanto antes. Se foram vítimas de golpes ou receberam indevidamente, que providenciem o ressarcimento ao Estado. E, nos casos dos aproveitadores comprovados, que não tenham o aval das urnas, de preferência com punição célere antes do dia 15.
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