Não bastaram todas as evidências científicas que relacionam as mudanças climáticas à ação humana, impondo portanto novas diretrizes na forma como governos, setores produtivos e a própria sociedade interagem com os recursos naturais, é bem provável que seja necessário um argumento que toque em um tema caro aos poderosos do planeta, o dinheiro, para que algo seja feito.
Vários países da América Latina estão enfrentando eventos extremos climáticos quase em sincronia: no Brasil as secas, o calor extremo e os grandes incêndios tomaram conta do território neste segundo semestre, enquanto a queda do nível dos rios e a seca também afetam países como Argentina e Paraguai.
Em entrevista ao Valor Econômico, o chefe da Unidade de Economia da Mudança Climática da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), Carlos de Miguel, alertou mais uma vez sobre o impacto da recorrência desses eventos nas economias dos países da região. "Há vários anos que alertamos que esses fenômenos climáticos devem causar perdas pesadas, afetando as comunidades, a atividade de vários setores e a economia em termos progressivos."
A Cepal previu inicialmente um impacto de 12,5% no Produto Interno Bruto (PIB) de países da América Latina até 2050. Mas o cenário climático atual está escapando tanto das previsões que já se espera essa perda na produção de riquezas para cinco anos antes. E vale dizer que uma redução tão considerável do PIB não vai necessariamente tirar dinheiro do bolso dos mais ricos, mas vai criar um ciclo de prejuízos e falta de investimentos e oportunidades que certamente deixarão a população mais empobrecida.
A temperatura global vem batendo recordes sucessivamente, o ano de 2023 foi o mais quente da história, e 2024 não deve ficar muito atrás. As enchentes no Rio Grande do Sul no primeiro semestre e as secas e queimadas deste segundo semestre são apenas dois dos 12 eventos climáticos graves registrados no Brasil neste ano. As tragédias estão cada vez mais próximas, afetando inclusive os que têm o poder da mudança. Será que os impactos econômicos podem falar mais alto aos ouvidos dessas pessoas?
Enquanto os eventos climáticos afetam as periferias, as ações contingenciais, como investimentos na infraestrutura, no planejamento urbano e na remoção da população das áreas de risco, seguem sendo coadjuvantes. As enchentes no Rio Grande do Sul, de certa forma, democratizaram a tragédia, afetando também as classes mais abastadas. Mas se governos precisam agir localmente, o freio às mudanças climáticas é uma política global, ainda distante de consensos.
Fato é que os sucessivos eventos graves vão ter impacto no PIB, gerando menos riquezas e aumentando a pobreza. Para muita gente, é importante abandonar a imagem de que a luta ambiental diz respeito a ecossistemas que estão distantes, como se não estivesse tudo integrado. A luta ambiental também diz respeito à redução da pobreza e ao estabelecimento de uma sociedade mais justa.
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