O Espírito Santo ultrapassou nesta terça-feira (29) a triste marca dos cinco mil mortos pelo novo coronavírus. O número é trágico, mas as perspectivas são ainda piores. Diante dos flagrantes diários de desrespeito aos protocolos sanitários e sem previsão de quando o Brasil efetivamente começará a imunização, que após iniciada se estenderá por meses, o país vai entrar em 2021 sob projeções sombrias, escalando a montanha de uma segunda onda da Covid-19. Em meio a uma alarmante aceleração do contágio, a virada do ano, que para muitas culturas representa um recomeço, desta vez precisa estar revestida de um propósito especial de renovação. É urgente uma mudança de atitude, de alguns políticos e de parcela da população, para reverter essa receita de desastre.
A marca de cinco mil mortos foi atingida um dia após o Espírito Santo ter registrado recorde de novas infecções e o segundo maior número de mortos desde o início da pandemia. Os primeiros sinais foram dados ainda em outubro e, de lá para cá, o avanço da pandemia só ganhou velocidade. Para ilustrar a profundidade da tragédia, em um intervalo de pouco menos de nove meses desde o primeiro óbito, o número de vítimas da Covid-19 no Estado já superou o quíntuplo dos homicídios registrados ao longo de todo o ano de 2019, que foi de 978. É o prenúncio de um janeiro desolador em todo o Brasil, caso nada de diferente seja feito.
A projeção é de uma explosão de casos após as aglomerações dos feriados de fim de ano. É, portanto, uma situação ainda mais lastimável por ser uma tragédia anunciada, que dependeria de consciência e comprometimento para ser amenizada. A vacina é uma luz do fim do túnel, mas sem qualquer alarmismo, apenas atestando o óbvio, enquanto vários países já têm acordos com diversos fabricantes e outros já até deram o pontapé na aplicação de doses, no Brasil ainda não há nem ao menos um pedido de uso emergencial para qualquer imunizante. A gestão obscurantista de Jair Bolsonaro desde o início da pandemia fecha o ano sem nenhum acordo com laboratórios.
Não há como mensurar exatamente qual a dimensão do impacto do negacionismo do presidente da República no avanço da pandemia no país, mas seu efeito deletério é patente. O famigerado menosprezo à doença, tachada de gripezinha; o ataque contínuo às medidas de isolamento, única forma reconhecidamente eficaz de frear o contágio; a defesa infundada de medicamentos inúteis contra o novo coronavírus; o encalhe de milhões de testes RT-PCR em um galpão, que poderiam ter integrado um crucial rastreio de contatos; e agora a inépcia para montar um verdadeiro plano de imunização, que impõe desafios logísticos inéditos, tudo isso cobra seu preço no acumulado de 7,5 milhões de infectados e quase 200 mil brasileiros mortos.
O terraplanismo indigno do maior cargo Executivo do país, aliado à desinformação que grassa nas redes sociais e aplicativos de mensagens, entupidas de teorias da conspiração que não resistem a um sopro de realidade, contribuiu para que o número de brasileiros que querem se vacinar tenha caído de 89% em agosto para 73% em dezembro, por exemplo. Também tem influência direta na postura reprovável de pessoas que lotam festas, bares e praias, na maior parte das vezes sem máscaras, e com isso se infectam e contaminam parentes e amigos.
A pandemia não só não acabou, como robustece-se diante do obscurantismo. O ano de 2020 será lembrado na história como o momento de um grande paradoxo, marcado por um lado pelo extraordinário esforço científico que em prazo tão exíguo desenvolveu um medicamento para um novo vírus, e arranhado por outro lado pelo descrédito inaudito por essa mesma ciência e o que ela representa, que é a superação de obstáculos pelo conhecimento. Para que 2021 confirme-se como o início de um novo ciclo, o Brasil precisa parar de caminhar na contramão da razão. Cada cidadão é um soldado na linha de combate. E é impossível vencer qualquer batalha, ainda mais uma tão colossal, sem a união de todos.
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