É impossível que a morte de um pai por seu próprio filho passe incólume, sem provocar reações de perplexidade e indignação, mas os dois casos registrados em apenas quatro dias na Grande Vitória dão ainda mais relevo a essa tragédia familiar, que pela recorrência passa a ganhar contornos de um desafiador problema social.
Nesta quarta-feira (1º), morreu o corretor Altamares de Freitas, de 80 anos, que havia sido baleado pelo próprio filho em Bento Ferreira, Vitória, na última segunda-feira (29). Poucos dias após a morte de um idoso de 66 anos, no domingo (28), quase uma semana após sofrer agressões de seu filho de 45 anos, em Cariacica. Ambas as investigações apontam que os filhos seriam usuários de drogas.
É impossível também não pensar se algo poderia ter sido feito para evitar tamanha violência no seio familiar. Não somente em casos de parricídio como os dois citados, mas nos incontáveis registros somente em 2021 de assassinatos em família. A morte de um pastor e da esposa pelo filho na Praia da Costa, Vila Velha, em agosto passado, foi um dos mais emblemáticos. No enredo, são comuns traços de problemas de saúde mental associados ao consumo de drogas, lícitas e ilícitas, como em outro episódio recente: no dia 21 de novembro, um pai esfaqueou e matou o filho na Serra em meio a um desentendimento, enquanto consumiam bebida alcoólica.
O vício em entorpecentes é um problema de saúde pública, independentemente da relação com a legalidade da droga. Não se pode ignorar o desespero e o desamparo de famílias de dependentes químicos, usuários que para ter acesso a drogas perdem a noção dos vínculos e, em muitos casos, ficam nas mãos de traficantes.
É o outro lado da moeda que também precisa ser levado em consideração, em um debate sério sobre a legalização. Nem todo consumidor de álcool é um alcoólatra, mas a sociedade precisa estar preparada para tratar o vício sem imediatamente criminalizá-lo. Inclusive, um debate mais qualificado sobre a necessidade de internação compulsória.
Se há como evitar essas tragédias familiares? As políticas de segurança pública não conseguem atingir esses crimes por sua aparente imprevisibilidade. Em fevereiro deste ano, o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre Ramalho, falou da recorrência dos crimes de proximidade, quando o assassino mantém algum tipo de relação com a vítima, nas estatísticas de violência, apontando que são um desafio, pelas dificuldades de ações preventivas.
Mas, de certa forma, essa lógica da proximidade vale também para a maior parte dos casos de feminicídio e abuso infantil. E quando se abordam as políticas públicas para combater esses crimes, a regra primordial é que tanto vítimas quanto pessoas próximas devem estar atentas aos sinais de violência, com estímulo à denúncia. Os crimes de proximidade podem até ser mais imprevisíveis, mas talvez mereçam ter mais holofotes em campanhas que levem a população a detectar possíveis sinais nas situações ao seu redor.
Todos esses crimes estão inseridos em uma cultura da violência que precisa ser erradicada, um trabalho que envolve educação e também melhores condições de vida. Em uma sociedade sadia, crimes tão banais e brutais em família são aberrações e exceções, mas por aqui parecem fazer parte da paisagem, o que é inaceitável. Chocam, mas não tanto, porque no dia seguinte uma outra atrocidade tomará seu lugar. A construção de relações mais saudáveis, baseadas no respeito mútuo, é urgente.
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