A transparência nos atos administrativos do poder público durante a pandemia é essencial para deixar exposta — sempre ao alcance do cidadão — a saúde da gestão, não podendo ser desprezada em função das urgências que venham a se sobrepor. A prestação de contas e a publicidade são uma prioridade da administração pública em qualquer circunstância, e nas ações implementadas para o enfrentamento da Covid-19 não seria diferente, dadas as proporções do problema e suas inúmeras implicações para a sociedade.
É uma questão pertinente à própria organização gerencial, para que se saiba onde os recursos públicos estão sendo aplicados, e assim conter possíveis abusos e omissões. E também um compromisso com a população sobre o real status da crise sanitária, sem subdimensionamentos tendenciosos. Tanto a falta de comprometimento quanto a má-fé são capazes de piorar uma situação por si só temerária, criando contratempos dentro de um problema maior: a própria crise de saúde pública.
O fato de a maioria dos 78 municípios do Espírito Santo não ter detalhado o uso da verba federal de socorro às prefeituras, aprovada há um ano pelo Congresso, é um exemplo dessa falta de transparência. O que não significa necessariamente o mau uso dos R$ 540,6 milhões, distribuídos em quatro parcelas e divididos de acordo com a população de cada cidade, mas sinaliza uma falta de empenho em dar visibilidade a informações que são de interesse público. Essa transparência é importante até mesmo para combater a desinformação, quando se coloca em suspeição o direcionamento desses recursos.
No Espírito Santo, após contato feito pela reportagem deste jornal, apenas 18 prefeituras enviaram resposta com a informação sobre o uso dos recursos federais. Já os demais 60 municípios não responderam ou enviaram dados insuficientes para o levantamento. Após a publicação da matéria, mais dois municípios atenderam os pedidos e tiveram seus dados acrescentados nela.
Ao se reunirem as informações desses 18 municípios, foi possível saber que a maior parte dos R$ 223 milhões destinados a esse grupo de cidades, o que representa 40% desse montante, foi reservada para "recomposição financeira" dentro do orçamento previsto antes da pandemia, mantendo-se assim ao menos parte dos gastos planejados anteriormente para 2020, mesmo com a queda de arrecadação. Cariacica e Vitória foram dois dos municípios que priorizaram a recomposição do tesouro municipal.
Já o pagamento de servidores veio em segundo lugar, abocanhando 19,4% do total informado pelas cidades. Assim, mais de R$ 132 milhões do socorro da União, referente a essas 18 administrações, foram usados para cobrir o déficit da arrecadação e com a folha de pagamentos do funcionalismo. Já quando apenas gastos com saúde foram considerados, a compra de medicamentos ficou na frente, com R$ 11 milhões gastos, representando 5% da soma.
E não é somente a destinação dos recursos que deve ser tornada sempre pública: na pandemia, os números referentes a transmissão, letalidade e taxa de ocupação de leitos também devem estar sob permanente escrutínio público. São os dados disponibilizados pelos municípios, no sistema oficial do Estado, que dão a dimensão da pandemia em cada cidade e ajudam a construir o Mapa de Risco, o norteador das medidas de enfrentamento no Espírito Santo. O cidadão precisa ter confiança nessas informações.
A notificação é compulsória, e o secretário estadual de Saúde, Nésio Fernandes, já informou que o Ministério Público Estadual será comunicado sobre possíveis inconformidades no respeito ao prazo de 24 horas estipulado para a alimentação dos dados no sistema estadual. Possíveis atrasos ou artifícios devem ser apurados com rigor, porque comprometem todas as ações de enfrentamento da pandemia. É uma situação grave porque, além de mascarar a situação, pode colocar vidas em risco.
A transparência é ainda mais importante em situações de crise, porque contribuiu para o fortalecimento da confiança, quando o engajamento social se torna crucial para os resultados positivos. Governantes, em todas as esferas, devem primar pela lisura de seus atos, e, quando não há nuvens entre os olhos do cidadão e as ações do gestor público, é mais simples a construção de um pacto, no qual os interesses coletivos se sobressaiam.
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