Se a pandemia, no seu auge, expôs como as desigualdades sociais impediram um acesso organizado e sistematizado ao ensino remoto no país, por conta das carências tecnológicas de uma parcela considerável da população, o retorno pleno dos alunos às escolas trouxe de volta um problema crônico, as dificuldades de mobilidade para o acesso dos alunos ao ensino presencial. É o melhor exemplo de um "velho normal" que continua a atrapalhar a aprendizagem nos quatro cantos do país. O que só mostra que, na sala de aula ou não, o caminho ainda é longo para uma educação mais acessível.
Um exemplo é o caso de Raiane Leite Silva, moradora da zona rural de Guarapari que precisa caminhar diariamente 2,5 quilômetros em estrada de terra para levar o filho de três anos ao ponto da van escolar. A creche da criança é no município vizinho, Anchieta, porque na rede própria municipal não há vaga. Na comunidade de São Miguel, onde ela vive, outras famílias precisaram matricular seus filhos em Anchieta, como a de Fernanda Delaparte. Os três filhos dela caminham 40 minutos por dia para pegar o transporte.
Após Fernanda fazer um apelo nas redes sociais, a Prefeitura de Guarapari prometeu enviar o transporte até a comunidade e levar as crianças ao colégio, a princípio, no período de 20 dias. Já a Prefeitura de Anchieta alega que não tem permissão para contratar um serviço de transporte escolar para buscar crianças em outros municípios.
Em meio a justificativas que explicam, mas não solucionam completamente o problema, salienta-se que a dificuldade de acesso ao transporte é um desafio estrutural da educação. Não se pode conceber um processo educativo de sucesso sem a construção de um ambiente saudável para o aluno. E, nesse sentido, realizar o trajeto entre casa e escola sem percalços contribui para o rendimento. Assim como escolas com boa infraestrutura e merenda balanceada sempre disponível.
Não é uma questão de opinião, é a própria lei que garante isso. O Art. 3º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação coloca como o primeiro princípio do ensino a "igualdade de condições para o acesso e permanência na escola". Há políticas públicas para garantir isso, embora os resultados nem sempre apareçam. O Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar (PNATE) faz transferência automática de recursos financeiros para custear despesas com manutenção, seguros, licenciamento, impostos e taxas, serviços de mecânica de veículos para o transporte de alunos da educação básica pública residentes em área rural, assim como o pagamento da contratação de terceiros para o transporte escolar. Os valores são repassados a Estados e municípios.
No Brasil, não é somente nas áreas rurais mais afastadas que o acesso ao transporte escolar é mais difícil, como no caso de Guarapari. Nos grandes centros urbanos, o acesso às escolas também encontra obstáculos de mobilidade que têm impactos diretos na aprendizagem. Sem falar na própria violência nos bairros dominados pelo crime. Quantas vezes não ocorre o fechamento de escolas em dias de tiroteio? O medo também dificulta o aprendizado.
Se o país almeja mais qualidade na educação, com a construção de um capital humano que alavanque a economia e reduza as diferenças sociais, é preciso pensar não só no conteúdo educativo, mas nos estímulos à permanência na escola. O transporte escolar não é um elemento acessório no processo educacional, é essencial.
Este vídeo pode te interessar
LEIA MAIS
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.