Usuário mais uma vez é quem paga por paralisação inesperada de ônibus

A categoria tem o direito constitucional de se manifestar por aquilo que julga ser o melhor, mas não pode fazer da população um joguete e deixá-la refém

Publicado em 11/09/2021 às 02h00
Transcol
Após paralisação, Grande Vitória teve terminais e pontos de ônibus lotados nesta sexta-feira (10). Crédito: Fernando Madeira

Sempre que os motoristas do transporte público resolvem paralisar suas atividades, as cenas se repetem. Pontos de ônibus e terminais lotados, e o trabalhador sem ter a quem recorrer para conseguir cumprir seus compromissos diários. Nesta sexta-feira (10) pela manhã, quem depende dos coletivos para a locomoção na Grande Vitória foi pego de surpresa com uma mobilização da categoria que não teve aviso prévio. 

É sempre importante lembrar que o direito de greve não é terra sem lei: a legitimidade da paralisação da categoria exige que manifestação seja comunicada oficialmente às empresas e à sociedade com 72 horas de antecedência, visto que o transporte público é uma atividade essencial. Qualquer ação organizada que não siga essa regra constitucional é considerada abusiva. Sem aviso, é o usuário o maior prejudicado.

Nesta crise sanitária, a principal reivindicação da categoria deixou de ser salarial, com a pauta do retorno dos cobradores aos seus postos ganhando protagonismo.  Foram cerca de 3 mil  afastados da função desde maio de 2020, quando o dinheiro físico deixou de ser usado para pagamento da passagem no Sistema Transcol. Foi uma decisão do governo estadual dentro do contexto da pandemia, para reduzir a necessidade de contato entre passageiros e profissionais, além de agilizar o processo dentro dos ônibus. A tecnologia, com o uso de cartões, tem se mostrado cada vez mais eficiente.

Mas a intenção de reduzir o uso de dinheiro nos ônibus é anterior à Covid-19. Em 2019, o governo começou a estimular a utilização do cartão GV nos coletivos, com o anúncio da implantação, até 2022, de 600 ônibus com ar-condicionado, que não possuem a cadeira de cobrador. Não é um caso isolado: em várias cidades do mundo a figura do cobrador no transporte público deixou de existir. Sobretudo em uma realidade na qual o dinheiro "vivo" é cada vez mais coadjuvante nas transações.

A exigência do retorno à função, imposta pelo sindicato da categoria, permanece sendo extemporânea, visto que ainda há uma pandemia em curso. O governo estadual alega que o esquema vacinal ainda não está completo, e não há previsão de retorno no momento, segundo o secretário de Estado de Mobilidade e Infraestrutura, Fábio Damasceno. "Nós falamos que temos disposição do retorno de alguns cobradores em alguns ônibus a partir do ano que vem, onde devemos ter uma redução maior da pandemia", disse.

Ninguém nega que é um processo delicado: a revolução tecnológica dos últimos anos fez e ainda vai fazer desaparecer determinadas funções antes imprescindíveis. O grande desafio dos novos tempos é a formação de profissionais cada vez mais qualificados.

O governo estadual e as empresas de transporte estão requalificando os trabalhadores, alocando-os em outras funções. Na última semana, foi lançado um programa para 1.500 cobradores tirarem carteira de motorista de graça para atuarem profissionalmente. Cerca de 1.400 profissionais aderiram ao plano de demissão voluntária ou passam por requalificação. Os demais 1.600 estão de fato afastados. Ao voltarem no ano que vem, ficarão responsáveis pela recarga do cartão GV.

O futuro dos cobradores pode ser incerto, mas eles não estão desamparados. A categoria tem o direito constitucional de se manifestar por aquilo que julga ser o melhor, mas não pode fazer da população um joguete e deixá-la refém. Uma paralisação como a desta sexta-feira, inesperada, causa transtornos aos usuários, esses verdadeiramente abandonados, sem ter como sair do lugar para cumprir seus afazeres cotidianos.

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