Violência contra a mulher é sempre um crime contra toda a família

São cada vez mais núcleos familiares afetados por perdas, como em Santa Maria de Jetibá. A sociedade avança, há cada vez mais a compreensão de que a violência contra a mulher não pode ser tratada como um assunto privado, mesmo assim não há trégua

Publicado em 22/03/2022 às 02h00
Jovem
Angélica Oto Hammer, de 24 anos, foi morta a facadas em Santa Maria de Jetibá. Crédito: Reprodução/Instagram

Espírito Santo não registrou nenhum caso de feminicídio durante dois meses, mas não deu tempo de comemorar por muito tempo. Na mesma sexta-feira (18) em que o colunista Leonel Ximenes trouxe a informação de que o último registro havia sido em Marechal Floriano, no dia 19 de janeiro, uma auxiliar de serviços gerais era estrangulada e morta em Cariacica, com o marido dela sendo o principal suspeito. Na ocasião, o corpo de Daniela Oliveira Leão, de 34 anos, foi encontrado em casa, no bairro São Gabriel, pelo filho caçula dela.

Dois dias depois, no domingo (20), uma família encarava a mesma tragédia em Santa Maria de Jetibá. Mãe e duas filhas foram atacadas por um mesmo homem, na condição de marido e padrasto das vítimas. A filha mais velha, Angelica Oto Hammer, de 24 anos, não sobreviveu às facadas e morreu no sítio que foi cenário da tragédia. A mãe, Evanilda Oto Hammer, de 45 anos, e a irmã mais nova, Fernanda Oto Hammer, de 16 anos, foram encaminhadas em estado gravíssimo para o Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), em Vitória.

Dois episódios bárbaros após uma calmaria que lamentavelmente pode ser considerada atípica no Espírito Santo. Até a última sexta-feira (18), o Estado havia registrado quatro casos de feminicídio, sendo que no mesmo período do ano passado foram oito casos. Na escalada que leva à morte de tantas mulheres, há crimes como agressões, ameaças e espancamentos que reforçam a cultura da violência, mas permanecem muitas vezes minimizados. É um número chocante: em 2021, foram quase 19 mil ocorrências de violência doméstica registradas por vítimas no Espírito Santo.

Maridos, namorados e ex-companheiros das vítimas encabeçam os casos de violência de gênero, homens que se consideram proprietários dessas mulheres por um senso de superioridade que, embora cada vez mais combatido, ainda prevalece não somente nas relações amorosas, mas na sociedade como um todo. É um problema cultural, acima de tudo, que ainda não conseguiu encontrar freio na legislação mais dura, imposta nas últimas décadas. 

O que não quer dizer que esse caminho tenha falhado, pelo contrário. É inevitável citar a Lei Maria da Penha, de 2006, como um divisor de águas no enfrentamento da violência de gênero no país. Há instrumentos legais para impedir que agressores se aproximem das vítimas, as medidas protetivas. E até mesmo a tecnologia vem sendo usada há algum tempo para dar amparo as mulheres, como o botão de pânico. Neste mês de março, o governo do Estado  lançou  um aplicativo no qual as vítimas podem monitorar a proximidade de seus algozes, com o uso da tornozeleira eletrônica.

As investigações da barbárie em Santa Maria de Jetibá ainda estão em andamento, mas parecem apontar para uma dinâmica na qual as filhas partiram em defesa da mãe e acabaram também vítimas da brutalidade de um homem que era parte da família havia 12 anos. A tragédia das mulheres que vivem sob opressão deixa marca em cada membro dessas famílias despedaçadas. Basta imaginar o trauma de tantos filhos que encontram o corpo da mãe em casa, como na morte de Daniela, em Cariacica. 

A família carrega os traumas e as dores. E são cada vez mais núcleos familiares afetados por perdas tão dramáticas. A sociedade avança, há cada vez mais a compreensão de que a violência contra a mulher não pode ser tratada como um assunto privado.   Abusos físicos e psicológicos são cada vez mais recriminados ostensivamente no debate público, há leis mais duras, e mesmo assim as mulheres continuam sendo vítimas desse tipo de violência.  As tréguas, como os dois meses sem esses crimes, não servem de consolo. 

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