Violência contra a mulher em áreas do tráfico: jornalismo cumpre o seu papel

Denúncias, feitas de forma anônima em uma série de reportagens, surtiram efeito: o Ministério Público vai apurar se há demora ou ausência no socorro a mulheres vítima de violência doméstica em bairros conflagrados

Publicado em 29/01/2024 às 01h00
Especial
Mulheres se mudam para comunidades deflagradas para obter proteção de traficantes. Crédito: Ilustração/Larissa Pereira

A denúncia foi feita em uma série de reportagens assinadas por Natalia Bourguignon em dezembro passado: moradoras de comunidades onde o tráfico de drogas dá as cartas na Grande Vitória relataram uma série de obstáculos para a aplicação das políticas públicas já existentes de enfrentamento da violência contra a mulher nesses locais.

O que se traduz em diversas camadas de violência: da polícia que não aparece ou demora demais para atender às ocorrências, criando um cenário de insegurança constante, ao próprio medo de pedir socorro e acabar indo contra as regras dos criminosos, que não querem a presença policial nos bairros. 

O resultado é que muitas acabam buscando amparo na própria lei do tráfico, que em muitos bairros determina: "não pode matar, não pode roubar, não pode bater em mulher". Regra que existe justamente para manter as forças policiais afastadas. Uma das vítimas contou um episódio no qual criminosos deram uma surra e "botaram o seu agressor para correr".

Na ocasião, a Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) afirmou desconhecer qualquer tipo de omissão por parte dos policiais em atender essas ocorrências, o que reforça a importância do jornalismo nesses casos: dar voz às pessoas que porventura estejam sendo negligenciadas pelo poder público. É fazer a ponte entre quem se encontra desamparado e quem tem entre suas atribuições defender os interesses coletivos, no caso, o Ministério Público.

As estatísticas precisam ser sempre lembradas: em 2023, das 35 vítimas de feminicídio durante o ano, mais de 75% foram assassinadas pelo marido ou companheiro. O ano passado também foi marcado pelo aumento das agressões em 7,4%, na comparação com 2022, totalizando mais de 21 mil registros, com 70,2% deles tendo como cenário o ambiente doméstico.

É uma selvageria em qualquer circunstância, mas torna-se ainda mais dramática quando as mulheres, sem o amparo do poder público nos bairros em que vivem, precisam recorrer a criminosos para garantir a própria proteção. Certamente, uma das faces mais cruéis — e desafiadoras — da ausência estatal. E é importante que o jornalismo profissional esteja sempre pronto a jogar luz sobre esses casos.

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