Uma carreta que transportava água oxigenada tombou na Rodovia Leste-Oeste, em Cariacica, na terça-feira (6), sem deixar vítimas, mas chamando atenção pelo estrago causado. Cerca de 24 horas depois, nesta quarta (7), um caminhão e um ônibus do Sistema Transcol protagonizaram um acidente grave na Rodovia do Contorno, também em Cariacica, com três feridos.
É um pequeno recorte na rotina violenta no trânsito, cujas causas se entrecruzam: sabe-se que as más condições da estrutura viária, tanto urbana quanto rodoviária, são agravantes, aumentando os riscos. Mas o ingrediente crucial para as tragédias tende a ser a imprudência. Basta olhar ao redor em qualquer rua ou avenida: o desrespeito a regras básicas é testemunhado a todo momento. Do avanço de sinais às ultrapassagens indevidas, o perigo é constantemente minimizado. Por pressa, impaciência ou falta de habilidade.
Para não ficar somente nos acidentes que, por sorte, não tiveram mortes, o último final de semana no Espírito Santo foi bem sangrento. Entre a manhã de sábado (3) e a noite de domingo (4), foram registradas nas rodovias estaduais, federais e em outros trechos pelo menos oito mortes e seis pessoas feridas, com ocorrências nas regiões Norte, Noroeste , Serrana e Metropolitana. Morre-se demais no trânsito, e a banalidade como essas vidas são arrancadas impõe uma transformação cultural na forma de encarar o volante.
O Brasil está prestes a ter uma nova legislação de trânsito, assim que o presidente Jair Bolsonaro sancionar as mudanças no Código de Trânsito Brasileiro aprovadas em setembro. O projeto de lei de autoria do governo tramitou por mais de um ano e acabou tendo modificações consideráveis na Câmara e no Senado, diante do receio de que flexibilizações exageradas tornassem a lei perigosamente inofensiva.
Afinal, o discurso bolsonarista no primeiro ano de mandato foi muito enfático contra aquilo que se costumou chamar de indústria de multas. Uma postura que reflete algumas ambiguidades: ao mesmo tempo que prega penas mais duras para assassinos, minimiza as perdas violentas no trânsito quando decorrentes da irresponsabilidade, muitas vezes criminosa, dos motoristas.
A questão da pontuação para a perda da CNH acabou sendo de certa forma equalizada com a atuação parlamentar. O estrago da proposta do governo era maior, ao apenas dobrar o limite atual para 40 pontos. A nova lei passa a vincular a suspensão do direito de dirigir à gravidade das infrações cometidas pelo condutor. Os 40 pontos só terão efeito se o motorista não tiver nenhuma infração gravíssima registrada nos últimos 12 meses.
A cobrança, portanto, passa a ser gradativa. Com uma infração gravíssima, a carteira será suspensa quando completar 30 pontos. Com duas ou mais infrações desse categoria, bastarão 20 pontos. Já os motoristas profissionais só serão punidos com 40 pontos, independentemente da gravidade da infração.
Na Câmara, oito das 12 emendas adicionadas pelo Senado foram aprovadas no relatório final do projeto. A mais significativa foi a proibição da substituição da pena de reclusão por penas alternativas no caso de morte ou lesão corporal provocada por motorista bêbado ou sob efeito de drogas.
O aspecto educativo da lei não poderia, de forma alguma, abdicar de punições mais severas nesses casos em que a responsabilidade do condutor se torna explícita. Não se pode passar a mão na cabeça do motorista que coloca a própria vida e a dos outros deliberadamente em risco.
O Código de Trânsito Brasileiro, quando entrou em vigor há 23 anos, foi responsável por mudanças culturais inimagináveis até então. Cinto de segurança deixou de ser um mero acessório descartável; seu uso passou a ser um ato quase inconsciente quando se entra em um carro. Difícil imaginar, mas crianças eram carregadas até mesmo em bagageiros, um risco naturalizado. A manutenção da obrigatoriedade da cadeirinha foi a vitória do bom senso, portanto.
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A lei contribuiu para a construção de alguma civilidade no trânsito, um ciclo que ainda não está completo. Longe disso. Não é permitido retroceder, a esta altura.
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