O Renda Cidadã desembarca no debate público como substituto do Bolsa Família e, diante das propostas de financiamento do programa até aqui aventadas pelo governo Bolsonaro, encaminha-se para ser mais uma contribuição para a bagunça fiscal que há quase uma década tem sido a grande enxaqueca nacional, sem contudo ter havido uma transformação na mentalidade arcaica sobre o papel do Estado brasileiro.
As aberrações sugeridas vão da flexibilização do teto de gastos, que não deveria nem sequer ser cogitada por ter sido a medida mais racional para se alcançar a saúde financeira do país, à criação de um novo imposto, como se a carga tributária brasileira já não fosse escorchante o suficiente. Sendo que um novo tributo tampouco resolverá a limitação imposta pelo teto. Sem falar no malabarismo absurdo e potencialmente inconstitucional de rolar precatórios para custear o benefício. A repercussão da proposta dessa gambiarra financeira foi negativa entre investidores, como era de se esperar. Mostras de que não se aprendeu nada com equívocos ainda frescos na memória. Se errar uma vez é humano, a sabedoria popular explica bem o que é insistir no erro.
Tanto que Jair Bolsonaro foi eleito com uma agenda liberal e reformista para impor uma necessária mudança de rota, chancelada pelo ministro da Economia, que teve voz ativa na própria campanha presidencial, mas o que se testemunha atualmente em Brasília é um desmonte sistemático de tudo o que foi proposto. Paulo Guedes, antes protagonista, tem se contentado como figuração dos flertes do Planalto cada vez mais insistentes com o populismo. A pandemia, um evento fora do radar mundial que exigiu e ainda exige ações extraordinárias para salvar vidas e reorganizar economias, transformou-se em oportuna justificativa para se continuar gastando desenfreadamente, de olho nas eleições de 2022.
O pior é a falácia de sempre, cristalizada nos discursos. Diferentemente do que se prega, não faltam recursos no Brasil, falta gestão racional de um Estado faraônico, que persiste na manutenção de privilégios e no gasto não qualificado. É o momento de se reforçar as reformas, a administrativa em destaque, mas o governo prefere repetir o que comprovadamente deu errado. A nova matriz econômica não foi suficiente para mostrar que o populismo fiscal não leva a lugar nenhum? É um abismo cavado pelos próprios pés de quem deveria gerenciar com zelo o país.
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Mansueto Almeida, que desembarcou do governo em julho, concedeu uma extensa entrevista ao Estadão nesta semana. O ex-secretário do Tesouro Nacional foi bastante enfático sobre os riscos que o país corre ao abdicar do compromisso fiscal em nome do populismo. “A gente tem de fazer o ajuste. Se a gente vai ou não fazer o dever de casa, depende de todo mundo: da sociedade, do governo e do Congresso. Se isso não for feito, a culpa não será de ninguém isoladamente. Se o governo falhar ou se o Congresso não aceitar o ajuste ou se a gente não pressionar o governo e o Congresso para fazer o que tem de ser feito, uma coisa é certa: todo mundo vai perder.” É esse o sentimento.
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