Em tempos em que as conexões entre as pessoas estão sendo feitas — e mantidas — principalmente pela internet, surgem desafios a serem enfrentados pelas famílias e pela escola na formação das novas gerações.
Para a atriz Denise Fraga, que também é colunista da revista Crescer e palestrante, um dos maiores desafios para essa garotada é a paciência. E também perceber que podem ter mais conhecimento e menos informação, aprendendo a escolher com qualidade o conteúdo que consomem nas redes.
Conexões humanas em tempos digitais é o tema da palestra que ela traz para Vitória no EducarES, evento que reúne o Encontro de Pais e Mestres e Arena de Profissões, que será realizado no próxima quarta-feira (9), a partir das 13 horas, no Vitória Grand Hall. As inscrições estão abertas e podem ser feitas em projetos.ag/educares.
Na sua apresentação, Denise faz uma reflexão sobre a urgência da presença plena e da convivência, do exercício da escuta e empatia, entre outros assuntos.
Nesta entrevista, a atriz ressalta que a criatividade também deve estar presente dentro de casa para atrair o interesse das crianças e para ter um tempo de qualidade em família. E sobre as escolas, avalia que um dos grandes desafios daqui para frente será desenvolver a educação socioemocional dos cidadãos do futuro.
Qual o principal desafio da educação de uma geração que já nasce conectada?
Talvez sejam as chances de mergulho. Eles escrevem e leem o dia inteiro, mas não mergulham no campo que só a literatura é capaz de proporcionar. Um dos maiores desafios para essa geração seja talvez a paciência, pura e simplesmente. Entender o tempo de reconhecimento de algo, como um cachorrinho que cheira antes de comer.
Acho que o grande desafio das escolas agora é promover a educação socioemocional. A vida digital tem um paradoxo. Para achar nossas agulhas no meio desse palheiro precisamos saber escolher. Senão ficamos vulneráveis aos algoritmos e ao ritmo frenético dos estímulos e acabamos por perder tempo com muita coisa que não nos interessa.
Isso desgasta muito e nos empobrece. Tem que saber escolher. E, para escolher, é preciso se conhecer. E para ter autoconhecimento precisamos conviver. Somos o que somos a partir do outro. Nossa rede de convívio, nossa família, nossos amigos dão as pistas do que somos. E como ter isso se não convivemos mais? Eis o paradoxo. Precisamos do outro para navegar na rede com segurança e a rede não nos dá o outro. Ficamos sem retorno do que somos. E vamos acreditando em qualquer coisa. Ou em coisa nenhuma.
Como a família pode estabelecer as conexões humanas necessárias para o desenvolvimento dessa criança?
Exercício. Só vejo a possibilidade de nos salvar do nó social em que estamos numa vida dedicada a exercícios diários de afeto, paciência, curiosidade, honestidade e estratégias de alegria.
Não adianta proibir o uso do celular e ficar olhando um para a cara do outro, todos com vontade de estar no celular. Precisamos dar a nossa criatividade não só para quem paga o nosso salário. É duro, mas precisamos chegar em casa e trabalhar por nós. Se não, nós largamos o corpo, tratamos mal quem a gente mais ama, depois de sorrir o dia inteiro para o nosso chefe, e vamos ligar mais uma tela, ver mais uma série. Nossa alegria precisa da nossa criatividade, de estratégias.
Temos o maior arsenal de comunicação já inventado na história da humanidade e nunca nos comunicamos tão mal. A rede nos oferece opiniões demais para poucos fatos.
Para aqueles pais que percebem os filhos já muito mergulhados no universo digital, como “resgatá-los” de modo que tenham também vivências fora das redes?
Não acho nada fácil. Confesso que estou aliviada de ter filhos grandes agora. Colocaram na nossa vida um artefato que tem poder de adicção. E ninguém cuida da gente. Porque querem que a gente aperte mesmo a tecla “compre agora”. Estamos levando um “olé” da invenção mais fascinante do homem sobre a Terra. Temos que nos cuidar e tentar entender o que seu filho estava vendo ali. E começar uma conversa sobre o vídeo. Não adianta só proibir. Melhor ver um vídeo juntos do que proibir e não oferecer nada em troca.
Considerando que a tecnologia é frequentemente usada como ferramenta no processo de ensino-aprendizagem, qual é o papel da escola nesse contexto de garantir às crianças e adolescentes mais conexões humanas?
Estudando atividades possíveis que ainda encantem uma geração que não tem mais paciência, que não deixa acabar um vídeo se os primeiros três segundos não encantarem. Em casa, sempre tivemos o combinado de não ter celular na mesa. Mas aí ficava silêncio. Ou aqueles monossílabos “como foi a escola?” “Legal”. E ponto.
Até que comecei a tentar contar coisas do meu dia e não perguntar. Mas sentia um desinteresse. Hoje tenho uma pequena estratégia pedindo que me mostrem uma coisa legal que viram na internet no dia. E a partir do vídeo começamos a conversar. Às vezes, dá certo e a conversa anda sozinha. Mas não é fácil.
E como as escolas devem se preparar para os avanços da tecnologia que ainda estão por vir e manter o vínculo e conexão entre alunos e professores?
Precisamos ter a premissa de que a tecnologia tem que nos servir e não nós a ela. Estamos perdidos. Cheios de dilemas que nos parecem insolúveis. Mas talvez a alternância em sala de aula entre momentos de tecnologia e a conversa sobre o que se viu lá na tela pode ser uma estratégia.
O foco comum é algo precioso nessa época. E a educação socioemocional. Aquilo que a gente acha que seria só responsabilidade da educação familiar. Não podemos esquecer que teu filho é meu cidadão. Essa criança pertence a uma comunidade. Estamos nos desprendendo do coletivo. Não podemos. Só existimos inseridos numa sociedade. É da nossa natureza. Precisamos do outro para viver.
Precisamos ajudar as crianças a saberem quem são, reconhecerem seus talentos e desejos para poderem se desenvolver nas suas potências. Ensinar uma criança a se conhecer e reconhecer as diferenças é fundamental.
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