Ansiedade, dificuldade de atenção, hiperatividade e depressão. Comportamentos que, há algumas décadas, passavam quase ilesos à percepção das escolas e famílias, hoje estão no centro dos debates sobre saúde mental de crianças e adolescentes. Pesquisas indicam que entre 7% e 20% dos estudantes em idade escolar no Brasil apresentam algum sofrimento psíquico, quadro que se agrava com o ritmo de vida cada vez mais frenético da sociedade.
O índice, alarmante por si só, é um dos focos do trabalho da psicóloga Luciana Bicalho Reis, doutora em Psicologia e professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). “As demandas da vida pessoal, profissional e escolar somam-se e concorrem com o tempo gasto no trânsito e no deslocamento, na exigência por mais produção e resultados, nos modelos ideais de sucesso a serem alcançados, entre muitas outras coisas, por isso é primordial saber administrar o tempo para contemplar de maneira equilibrada todas as áreas de nossas vidas”, alerta.
A professora da Ufes lembra que nos últimos anos crianças e adolescentes, assim como adultos, passaram a ter acesso quase ilimitado a uma infinidade de aplicativos, programas e dispositivos eletrônicos. Diferentemente de gerações anteriores, que precisavam desenvolver a capacidade de esperar e de lidar com o tédio, hoje as pessoas são invadidas 24 horas com informações – e é comum ver crianças que ainda nem foram alfabetizadas já expostas a telas de celulares para se distraírem.
Já Stéfani Martins Pereira, psicóloga e conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Espírito Santo (CRP-ES), destaca que durante a primeira infância múltiplas transformações acontecem em níveis neuroquímico, cognitivo, físico, emocional e social.
A questão, explica, está na substituição do brincar por jogos eletrônicos e outros ambientes virtuais como espaços de diversão: “O brincar cumpre uma importante função no desenvolvimento social, cognitivo e emocional do sujeito na infância. É pelo brincar que a criança exerce seu potencial criativo e imaginativo, desenvolvendo raciocínio lógico, resolução de problemas, resistência a frustrações, tomada de decisões e a vivência de construção de outras realidades abstratas.”
Com os jogos eletrônicos, o exercício imaginativo fica limitado, acrescenta Stéfani. Também é pelo brincar, garante, que a criança desenvolve habilidades sociais, o repertório linguístico, a autoestima e a psicomotricidade. A dica é limitar o uso das tecnologias para evitar um problema psicológico futuro.
“A questão é pensar em como equilibrar essa velocidade que as tecnologias proporcionam com outras vivências importantes na vida da criança e do adolescente. Por isso, o diálogo é de extrema importância”, avalia a psicóloga.
A saúde mental também precisa ser abordada de forma correta no ambiente escolar, aponta a psicóloga Luciana Bicalho Reis, da Ufes. De acordo com ela, é observada uma preocupação crescente por parte dos educadores com crianças e adolescentes que apresentam algum sofrimento psíquico e demandam ajuda.
“Em uma pesquisa realizada por mim sobre saúde mental infanto-juvenil no Espírito Santo, foi identificado que muitas vezes é a instituição educacional a primeira a perceber quando a criança ou o adolescente está sofrendo e precisa de ajuda. É preciso, então, apostar na escola como lugar de cuidado, de proteção, de desenvolvimento, reconhecendo que educadores precisam ser preparados para isso”, destaca Luciana, que entre 2019 e 2021 ouviu 114 gestores, trabalhadores da área de saúde mental, além de crianças, adolescentes e familiares em Vitória, em uma pesquisa financiada pela Fapes/CNPQ.
“Os dados mostraram que o cuidado de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico ainda é um desafio, especialmente no que se refere a avançar em relação ao modelo biomédico, já que ainda é expressiva a demanda por medicalização da infância/adolescência por parte da escola e da própria família”, alerta a doutora em Psicologia.
Os profissionais envolvidos no processo de aprendizagem, acrescenta Luciana, precisam saber identificar quando a criança ou adolescente necessita realmente de ajuda e, ao mesmo tempo, entender que o sofrimento não necessariamente é uma psicopatologia e demanda a intervenção de um serviço de saúde mental.
“Identificar o sofrimento e oferecer-lhe ajuda não deve ser o mesmo que abrir um caminho de patologização e medicalização do sofrimento. O cuidado se faz em rede e muitos atores, e vários dispositivos devem estar imbuídos dele: família, escola, serviços de saúde, projetos sociais, igrejas, rede de assistência social e justiça”, acrescenta a psicóloga.
Para apoiar crianças e adolescentes com algum transtorno psíquico, a psicóloga Priscila Maria do Nascimento Pereira, que trabalha na Secretaria de Estado da Educação (Sedu), explica que, desde 2019, o governo estadual conta com o trabalho da Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie). Priscila, que gerencia essa área, frisa que o principal objetivo da iniciativa é contribuir para o desenvolvimento intelectual, emocional e social de estudantes da rede pública estadual.
“Nós entendemos que a subjetividade dos estudantes também aparece no espaço escolar, onde há um processo cognitivo da aprendizagem, mas que envolve aspectos emocionais, sociais, históricos e culturais. E também as questões de saúde mental. A ideia é promover um olhar mais sensível para a integralidade dos estudantes”, ressalta a gerente.
Na visão de Luciana Bicalho Reis, a chave para o sucesso de um ambiente acolhedor é justamente essa integração entre escolas e família: “É preciso entender que escola e família são a sociedade, não estão à parte dela. Importante reconhecer isso para não assumirmos uma postura de culpabilização da família que não consegue participar de tudo que é proposto. Reconhecer que nosso modo de organização social ainda não entendeu que cuidar de crianças e adolescentes deveria ser um trabalho comunitário, não somente de um outro ator social”, conclui.
Iniciada em 2019 pelo governo do Estado, a Ação Psicossocial e Orientação Interativa Escolar (Apoie) atua para que, além dos compromissos curriculares obrigatórios, as escolas da rede pública estadual também não percam de vista que é ali, no ambiente escolar, que crianças e jovens devem ser estimulados à convivência, à interação e, consequentemente, ao desenvolvimento de habilidades cognitivas que podem ser um dificultador para o surgimento de doenças psicológicas.
O diretor do Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio em Tempo Integral (CEEFMTI) Professora Maria Penedo, Luís Julián Loyola Quintana, faz coro a Priscila, e destaca que as ações psicossociais dentro do contexto escolar são fundamentais para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Priscila Pereira complementa que, embora o tratamento em saúde mental não seja uma atribuição da política de educação, o governo entende que é preciso, sim, considerar esses aspectos no espaço escolar.
“Somos 11 técnicos na Sedu, além da gerência. Contamos com psicólogos e assistentes sociais, inclusive em todas as Superintendências Regionais de Educação (CRE). E começamos a contar também com uma dupla da Apoie em todos os municípios do Espírito Santo, que ficam nas escolas para fazer esse acompanhamento”, cita a gerente.
Essas equipes atuam diretamente quando surgem questões de saúde mental, violência no ambiente familiar, entre outras, que necessitam de uma atuação envolvendo escola, aluno e família, sempre de forma acolhedora. De maio de 2021 até agosto de 2023, com esse trabalho nas superintendências, já foram realizadas 930 ações sobre temáticas como autoestima, acolhimento, respeito e identificação de situações de violência, além de vários encontros com os professores e as famílias.
“Também recebemos muitas demandas individuais e, embora a gente não realize o tratamento em saúde mental, os formulários são disponibilizados para que possamos dar uma atenção especial àquele aluno. Já acompanhamos 2,3 mil demandas nesse sentido”, reitera Priscila.
Alunos em fase de vestibular e ou que estão se preparando para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também podem passar por situações de estresse intenso, culminando em crises de ansiedade e até depressão.
À frente do Centro Educacional Madan, instituição que foca a preparação de estudantes para provas dos principais vestibulares do país, o engenheiro e professor Daniel Rojas admite que o período de preparação é mais intenso e exige mais dos jovens. Por isso, investe em acolhimento personalizado, que consiste em orientação pedagógica e suporte psicológico individualizados.
“Promovemos rodas de conversas e sessões de meditação, buscando equilibrar a mente dos alunos e prepará-los não apenas academicamente, mas também emocionalmente para esse grande desafio”, ressalta o diretor.
De acordo com Rojas, o aluno em fase pré-exames enfrenta falta de autoconfiança, sentindo-se inseguro sobre o seu desempenho. Além disso, as pressões externa e autoimposta resultam em altos níveis de estresse e ansiedade.
“Muitos estudantes ainda se sentem sobrecarregados com a quantidade de conteúdo, o que pode levar à procrastinação. Em meio a tudo isso, tem, ainda, a dificuldade em estabelecer uma rotina de estudos eficaz e em equilibrar o tempo com descanso e lazer”, garante.
A instituição entende que cada jornada é única. Para o aluno que não passa inicialmente, o foco é reforçar o seu potencial e os seus esforços. Por meio de orientação pedagógica individualizada, são identificadas pontos de melhorias e traçados novos planos de estudo.
Principais sintomas observados em alunos com algum problema emocional:
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