Impactado pelas novas tecnologias, o ensino nas escolas de educação básica está passando por profundas mudanças nos últimos anos. Cada vez mais, o modelo tradicional de aprendizado, centrado na figura do professor como único transmissor de conhecimento, vem sendo substituído por metodologias ativas, que dão mais autonomia para os alunos desenvolverem suas habilidades.
Um exemplo de metodologia ativa que está sendo aplicada em escolas do Espírito Santo é a gamificação, que consiste em usar elementos de jogos para chamar a atenção dos alunos e engajá-los com o conteúdo proposto pelo professor.
Mas, na prática, como isso acontece? Em linhas gerais, a metodologia se utiliza dos conceitos, das regras e do design de jogos — também chamados de games — para tornar o ensino mais divertido.
O gerente de operações da Escola São Domingos (ESD), Henrique Romano Carneiro, explica que, atualmente, existem muitos recursos digitais e analógicos para introduzir a gamificação na educação. No entanto, antes é preciso entender os fundamentos da metodologia.
“Os exemplos são quase infinitos, mas o mais importante são os fundamentos da gamificação, como a inclusão de fases, o senso de competição, o senso de passar e vencer etapas, além de todo o aspecto lúdico da atividade. São vários elementos que os jogos trazem e que a educação tenta usar como referência”, pontua.
Segundo Henrique, a gamificação é uma metodologia de intencionalidade. Ao ser aplicado, o jogo precisa ter uma função pedagógica bem definida. Exemplos: obter um feedback rápido da classe sobre o conteúdo ensinado, revisar ou introduzir um novo assunto ou ajudar no desenvolvimento de habilidades específicas.
O mesmo entendimento é compartilhado por Douglas Ferrari de Melo, professor no Departamento de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para ele, não basta apenas aplicar recursos de gamificação para deixar o ensino mais atrativo. É preciso usá-los de maneira estratégica.
“Não é jogar por jogar. Se você deixa o aluno solto, jogando sem objetivo ou com metas claras, a função pedagógica se perde”, afirma.
Em um passado nem tão distante, o ensino era dividido em duas fases distintas. Enquanto na educação infantil se usavam jogos e atividades lúdicas regularmente, com o avançar das séries, essas práticas eram deixadas de lado. No ensino médio, eram quase inexistentes.
Mas o modo de se pensar a educação básica precisou mudar e muito rápido. Pela primeira vez, as salas de aula são ocupadas por crianças e adolescentes totalmente nascidos no século XXI.
As gerações Z e Alpha estão habituadas a usar diversos aparelhos eletrônicos, como tablet, celular e videogame. Esses novos alunos são ágeis, versáteis e empáticos, mas também sofrem com a falta de concentração e paciência para lidar com atividades complexas ou de longa duração.
Diante dessas novas questões, o governo federal publicou, entre 2017 e 2018, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O documento, que define os conjuntos de competências a serem trabalhados em todas as etapas da educação básica, determina, entre outras coisas, que o aluno assuma o protagonismo do seu processo de aprendizagem.
Nesse contexto, as escolas também foram atrás de outras abordagens pedagógicas, como a gamificação. Mas, embora o aluno de hoje viva rodeado pela tecnologia, essa estratégia não se resume ao uso de recursos digitais.
Segundo o professor Douglas Ferrari de Melo, jogos que fazem parte da memória afetiva de outras gerações também são opções para aplicar a gamificação. Ele dá como exemplo o jogo de tabuleiro War, que pode ser usado para ensinar, de forma lúdica e divertida, conteúdos de História e Geografia.
Em Vitória, a Escola São Domingos (ESD) usa a gamificação em diversas etapas do ensino. “O professor é capacitado para introduzir, constantemente, os elementos de jogos no dia a dia. Ele pode, por exemplo, durante a aula, lançar um desafio que deve ser resolvido por toda a classe em um tempo definido. Com isso, o professor consegue ter uma resposta rápida se a turma compreendeu o conteúdo”, explica Henrique Romano Carneiro, gerente de operações da ESD.
Outro jogo interativo usado é o Kahoot, uma plataforma on-line de quiz, com perguntas e respostas, que também mede o desempenho dos alunos. Já o Minecraft Education, versão pedagógica do jogo de blocos mais famoso do mundo, usa os elementos da tabela periódica para fixar o conteúdo.
Mas além do uso da gamificação nas disciplinas regulares, a Escola São Domingos investiu em uma metodologia própria, o The Box, que funciona em uma sala criada exclusivamente para o projeto.
Todas as séries com alunos a partir dos 7 anos de idade participam do The Box. Na sala especial, a turma se divide em grupos de até cinco pessoas e cada equipe precisa trabalhar na busca por soluções para o desafio proposto.
Seguindo os fundamentos da gamificação, os desafios do The Box devem ser completados durante um tempo determinado, dividido em cinco fases. O objetivo é estimular a autonomia do aluno, potencializando o seu entendimento como sujeito ativo, capaz de ir em busca do seu próprio conhecimento.
“A gamificação ajuda a desenvolver habilidades críticas e muito importantes para o aluno do século XXI, como, por exemplo, saber trabalhar em grupo, administrar o tempo, lidar com a pressão, saber ganhar e também aprender a perder. Os alunos que passaram mais vezes pelo The Box desenvolveram uma capacidade maior de resolver problemas de maneira ativa e propositiva”, observa Henrique.
Localizada em Vitória, a Crescer PHD investe há mais de três anos em diversas estratégias para inserir a gamificação no dia a dia da escola. E uma plataforma digital que usa elementos dos jogos on-line está entre as preferidas dos estudantes.
Funciona assim: cada aluno tem um avatar e, à medida que completa as atividades pedagógicas — que são chamadas de trilhas —, ele ganha moedas para comprar vestimentas, trocar a cor do cabelo ou adquirir algum poder especial.
Somente os professores podem liberar o acesso às trilhas na plataforma. “Os alunos amam e estão sempre pedindo para fazer mais atividades”, conta Claudia Bachour Santos Neves, diretora da Crescer.
De acordo com Claudia, ao abrir uma trilha, o professor pode limitar o tempo que os alunos terão para cumprir as tarefas. “Assim que a trilha é fechada, o professor tem acesso aos resultados e sabe, por exemplo, quanto tempo cada aluno levou para finalizar os exercícios. Ele consegue fazer um diagnóstico do desempenho da turma, o que foi aprendido e o que precisa ser reforçado”, afirma.
Para o ensino da Matemática, a escola utiliza como atividade complementar os jogos da plataforma Matific, voltados para crianças da educação infantil e do ensino fundamental. O desempenho de cada aluno é registrado e pode ser consultado pelo professor.
Já para fazer da leitura um hábito divertido, a Crescer PHD utiliza a famosa plataforma Árvore, premiada por suas soluções pedagógicas criativas. Ao abrir o aplicativo, o aluno tem como missão irrigar árvores. Quanto mais livros ele lê, mais recompensas ganha para cuidar das árvores, fazendo a floresta crescer.
Outra metodologia inovadora aplicada pela unidade de ensino é a Cultura Maker, que transforma o ambiente escolar em um espaço de descobertas e inovação. Durante as oficinas, os alunos colocam a mão na massa e criam protótipos, brinquedos e outros tipos de projetos. Tudo isso usando ferramentas manuais, como materiais de marcenaria e componentes de eletrônica.
O projeto, realizado em parceria com a Nave à Vela, é centrado em quatro eixos: competências socioemocionais, empreendedorismo, design e tecnologia.
A gamificação é uma metodologia ativa que envolve regras, metas e recompensas. Ao saber que a atividade tem objetivo definido, o aluno se engaja para completá-la.
Um dos objetivos da gamificação é tornar o aluno mais autônomo para tomar decisões e se posicionar melhor diante dos desafios.
O jogo estimula o aluno a ter paciência e a pensar estrategicamente. A longo prazo, o método pode ajudar a reduzir a ansiedade e aumentar o poder de concentração.
Ao finalizar tarefas e avançar no jogo, o aluno pode se interessar mais pelo assunto abordado e buscar outras referências para ampliar o conhecimento.
Muitos jogos permitem que o professor confira os resultados assim que a tarefa é finalizada. Isso o ajuda a entender quais são as lacunas no processo de ensino-aprendizagem.
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